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Funcionalismo Penal.
Funcionalismo Penal.

     Sumário.

 

   Capítulo I:

O Funcionalismo no Direito Penal Brasileiro: Pág. 6

Capítulo II:

A Teoria da Imputação Objetiva:

Pág. 117.

 

 

 

 

 

 

 

 

Prefácio

 

            NOSSA AMIZADE PODERIA TER OFUSCADO MINHA VISÃO CRÍTICA, TORNANDO-A COMPLASCENTE COM QUAISQUER LINHAS QUE VOCE ESCREVEU.

            MAS A CLAREZA E A OBJETIVIDADE DE SUAS LIÇÕES (POIS SÃO EXATAMENTE ISTO - LIÇÕES)  TORNARAM INÓCUA TAL COMPLASCÊNCIA, POIS A SUA LINGUAGEM COLOQUIAL, PRECISA, CONSTRUIU UM LIVRO MAIS DO QUE NECESSÁRIO PARA AQUELES QUE PROCURAM A ATUALIZAÇÃO NOS ESTUDOS JURÍDICOS, MAS UM LIVRO QUE, POR SER RICO EM COMENTÁRIOS DOUTRINÁRIOS, JULGADOS RELEVANTES E EXAUSTIVAS CORREÇÕES DE CASOS CONCRETOS (OS QUAIS ATUALMENTE SÃO COMPROVADAMENTE O MÉTODO MAIS EFICAZ PARA O APRENDIZADO DO DIREITO), CONSEGUE SER ÚNICO, A COROAR COM LOUVOR ESTE COMEÇO DE VOCES NA ÁRDUA ESTRADA DA EXTENSA BIBLIOGRAFIA JURÍDICA.

            OBRIGADA PELA PRESENTE OBRA QUE OFERECE A TODOS QUE AMAM A CIÊNCIA JURÍDICA.

MARIA ALICE DA FONSECA LOPES

(SERVIDORA PÙBLICA E ESPECIALISTA EM DIREITO PRIVADO)

Agradecimentos:

           

 

 

Aos leitores, ferramenta e razão de ser de nosso trabalho.

Aos meus pais, in memorian, pelo amor cativo que brotaram em mim: “Ninguém morre enquanto permanece vivo no coração de alguém” (Alírio Campos).

Aos Mestres, Cláudia Márcia Gonçalves Vidal e Marcus Quaresma Ferraz, por despertarem em mim o amor pela Ciência Penal.

À Clarinha, minha afilhadinha. Com amor!

 

             

         Paula Naves Brigagão.

 

 

 

 

Notas sobre a Autora.

Dra. Paula Naves Brigagão – Aprovada em Concurso público para o Cargo de Notários e Registradores no Estado de Minas Gerais. Mestrado em Direito das Relações internacionais pela Universidad de la Empresa – Montevideo - UY.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo I: O Funcionalismo no Direito Penal Brasileiro.

 (Sumário: 1.1) (Noções Básicas sobre os três tipos de Funcionalismo Penal; 1.2) Desenvolvimento; 1.3) Reflexões históricas das escolas penais no contexto jurídico; 1.4) (1.4) As premissas básicas da teoria do Funcionalismo Penal; 1.5) A teoria funcionalista bifurcada; 1.6) A teoria funcionalista bifurcada; 1.7) Fenômenos históricos; 1.8) Conclusões.

 

 

 

 

 

 

 

1.1)           Noções básicas sobre os três tipos de Funcionalismo Penal:

         Neste primeiro tópico de nosso trabalho fornecemos aos leitores o passeio pela floresta. Nos tópicos seguintes, esmiuçamos com mais profundidade os temas aqui versados. Trata-se da singela descoberta das árvores.

        Preocupa-se o funcionalismo penal com o verdadeiro sentido e alcance do Direito Penal no cenário jurídico-mundial. Sua função se reveste da própria ontologia conceitual desse ramo do Direito.

O Funcionalismo Moderado ( também conhecido como Funcionalismo Teleológico) é criação do gênio alemão Claus  Roxin. O Funcionalismo Radical (também conhecido como Funcionalismo Sistêmico ou Normativista) é filho único do sociólogo Günter Jakobs. O Funcionalismo Reducionista, também conhecido como Limitado, é fruto dos estudos do penalista argentino Eugênio Zaffaroni. Um mesmo instituto (TEORIA DO FUNCIONALISMO PENAL) revisitado sobre três óticas distintas, cada qual com as devidas e sensíveis peculiaridades. Em nosso estudo daremos uma ênfase maior ao Funcionalismo Radical e ao Funcionalismo Moderado, pois, estes, o alicerce da teoria da qual a terceira espécie é quase uma simbiose.

O alemão Claus Roxin enfatiza em seus estudos um funcionalismo utilitário. Seus estudos pautaram-se na Política Criminal, concentrando-se na pesquisa da função do Direito Penal propriamente dita, para o qual essa consiste em normatizar o contexto social; em outras palavras, pautar a vida em sociedade administrando-a: O Direito Penal funcionando como veículo de controle da coletividade, tal como a catraca de ônibus regulando o fluxo de passageiros por ele adentra. A Política Criminal é reflexa da sociologia, desaguando-se ao que hoje, hodiernamente, se conhece como o Direito Penal Mínimo que estrutura-se nos Direitos e Garantias Constitucionais do Indivíduo no cenário político-social. Não foi por acaso que o professor alemão se destacou como idealizador da Teoria da Imputação Objetiva (que tecnicamente falando seria mais bem denominada de Teoria da Não Imputação, da qual falaremos no capítulo seguinte!). 

Importante se faz esclarecer ao leitor que a expressão latina obiter dictum vem crescendo e aparecendo nos precedentes judiciais, sobretudo no âmbito do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Denota, entre outras coisas, uma técnica de argumento persuasivo.

O seu significado é, pois, “de passagem”, “referência passageira”, “para argumentar”.

O obiter dictum atitude de órgão jurisdicional (órgão colegiado ou órgão individualizado) dispensável à solução do tema submetido à apreciação do Poder Judiciário. Trata-se de um argumento de reforço.  Não é o pilar de uma da fundamentação, mas, sim, periférico, jamais interferindo na estrutura do julgado. Dessa maneira, não virá acoplado na parte dispositiva de uma decisão.

Por tal razão, essa manifestação não vincula os casos subseqüentes. (cf. Patrícia Perrone Campos Mello, Precedentes, Renovar, 2008, p. 126). No mesmo sentido: José Rogério Cruz e Tucci, Precedente judicial como fonte do direito, Revista dos Tribunais, p. 177.

Tal explicação acima se fez necessária para que o leitor compreendesse que a Teoria do Funcionalismo Penal não conta, ainda, com a autenticidade dogmático-normativa, sendo citada de forma lateral apenas como um complemento de um raciocínio e não a sua razão de ser. Há ementas da Corte Maior que, inclusive, nem citam diretamente a Teoria do Funcionalismo Penal, sendo esta extraída por dedução. Assim, a título ilustrativo, citamos a seguinte ementa:

 

Relator (a):  Min. CELSO DE MELLO
Julgamento:  15/12/2009           Órgão Julgador:  Segunda Turma

Publicação

DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010
EMENT VOL-02389-03 PP-00514

Ementa

E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE DESCAMINHO (CP, ART. 334, "CAPUT", SEGUNDA PARTE) - TRIBUTOS ADUANEIROS SUPOSTAMENTE DEVIDOS NO VALOR DE R$ 8.135,12 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO DE DESCAMINHO. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Aplicabilidade do postulado da insignificância ao delito de descaminho (CP, art. 334), considerado, para tanto, o inexpressivo valor do tributo sobre comércio exterior supostamente não recolhido. Precedentes.

 

Decisão

   A Turma, à unanimidade, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma,
   15.12.2009.

Indexação

- VIDE EMENTA E INDEXAÇÃO PARCIAL: DETERMINAÇÃO, EXTINÇÃO DO PROCESSO,
AUSÊNCIA, TIPICIDADE MATERIAL, CONDUTA.

Legislação

LEG-FED DEL-002848/ANO-1940
          ART-00334 "CAPUT"
                CP-1940 CÓDIGO PENAL

Observação

- Acórdãos citados: HC 83526, HC 84687, HC 87478, HC 88393, HC
92438, HC 92463, HC 92740, HC 93482, HC 95749, HC 96151,
RE 536486, RE 550761, AI 559904 QO; RTJ 129/187, RTJ 178/310,
RTJ 192/963.
- Veja Resp 1111467 do STJ.
Número de páginas: 19.
Análise: 25/02/2010, ACG.
Revisão: 01/03/2010, MMR.

 

Acórdãos no mesmo sentido

HC 100180
          JULG-10-11-2009 UF-PR TURMA-02 MIN-CELSO DE MELLO N.PÁG-018
          DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010
          EMENT VOL-02389-03 PP-00496.
 

Após detalhada leitura do inteiro teor do acórdão essa Autora concluiu que o Supremo Tribunal Federal, de maneira lateral, valeu-se do raciocínio do Funcionalismo Moderado defendido por Claus Roxin, que, dentre as suas diversas facetas, abarca o princípio da insignificância ou bagatela, sobretudo no que tange aos delitos de contrabando ou descaminho.

 

Observe atentamente o leitor o fato de que a nossa Corte Maior não decretou expressamente que o Brasil adotou o Funcionalismo Moderado, de Roxin. O Ministro Eros Grau apenas demonstrou não desconhecer a Teoria do Funcionalismo Penal. Para sermos fiéis reproduzimos o teor de seu voto condutor:

“O postulado da insignificância e a função do Direito Penal: De Minimis, Não curat praetor. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de expressiva lesividade".

 
               O Superior Tribunal de Justiça, quanto ao tema, avançou um pouco mais. Não que a Corte Superior se posicionasse pela adoção da Teoria do Funcionalismo Penal, mas já não a ignora. Ela funciona quase como um palavrão pouco falado, porém não desconhecido das mentes brilhantes.  Da ementa já se visualiza a Teoria Funcionalista, como se nota:  
 

 

Processo

HC 84798 / GO
HABEAS CORPUS
2007/0135347-0

Relator (a)

Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128)

Órgão Julgador

T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento

06/10/2009

Data da Publicação/Fonte

DJe 03/11/2009

Ementa

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. EFEITOS PENAIS REGIDOS PELO ART. 9º, § 2º, DA LEI 10.684/2003. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PACIENTES GESTORES E ADMINISTRADORES DA EMPRESA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Com a edição da Lei 10.684/2003, deu-se nova disciplina aos efeitos penais do pagamento do tributo, nos casos dos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e 168-A e 337-A do Código Penal.
2. Comprovado o pagamento integral dos débitos oriundos da falta de recolhimento de contribuições sociais, ainda que efetuado posteriormente ao recebimento da denúncia, extingue-se a punibilidade, nos termos do 9º, § 2º, da Lei 10.684/03.
3. Não se pode ter por inepta a denúncia que descreve fatos penalmente típicos e aponta, mesmo que de forma geral, as condutas dos pacientes, o resultado, a subsunção, o nexo causal (teorias :causalista e finalista) e o nexo de imputação (teorias funcionalista (e constitucionalista), oferecendo condições para o pleno exercício do direito de defesa, máxime se tratando de crime societário onde a jurisprudência tem abrandado a exigência de uma descrição pormenorizada das condutas.
4. Ordem parcialmente concedida para determinar o trancamento da ação penal, exclusivamente, em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária.
 
 
 
O Ministro Arnaldo Esteves Lima, no inteiro teor do acórdão em que funcionou como relator expressou seu conhecimento amplo pelas teorias do crime (causalista, finalista e funcionalista), embora não houvesse se inclinado por nenhuma delas. Para sermos fiéis ao seu raciocínio reproduzimos o inteiro teor de seu voto: “Em outras palavras, não se pode ter por inepta a denúncia que descreve fatos penalmente típicos e aponta, mesmo que de forma genérica, as condutas dos pacientes, o resultado, a subsunção, o nexo causal (teorias causalista e finalista) e o nexo de imputação (teorias funcionalista e constitucionalista), oferecendo condições para o pleno exercício do direito de defesa, máxime em se tratando de crime societário onde a jurisprudência tem abrandado a exigência de uma descrição pormenorizada de condutas”. 
 
 

 

Conseqüência maior de tais bases filosóficas de Direitos e Garantias mesclados com o contexto social surge como fenômeno elucidativo na atualidade o instituto da co-culpabilidade. Segundo o conceito de co-culpabilidade, é necessário considerar-se a convergência entre o comportamento reprovável do autor e a diversidade de possibilidades de realização que se vivencia entre as diversas pessoas que vivem em sociedade, de forma que o juízo de censura ou de reprovação não poderá ignorar a miséria ou a dificuldade de ganhar-se o sustento próprio necessário para si e para os seus.

Assim, exemplo concreto badalado na mídia televisiva constata caso verídico em que Fulana de tal, empregada doméstica que obtém condições mínimas para a própria subsistência através de sua labuta, mantém sua filha única, Cicrana de tal, com três anos de idade, acorrentada pelo pé na própria cama do "barraco" onde reside, diante da circunstância de não ter nenhum familiar ou vizinho com quem possa deixá-Ia enquanto trabalha, até porque se a mantivesse solta, esta escaparia para fora da casa, correndo então riscos diante do lugar perigoso onde tal residência se localiza. Trata-se da aplicação prática de aplicação do instituto da co-culpabilidade na ótica do Funcionalismo Penal Moderado, idealizado por Roxin.

Como base empírica para a construção de sua Teoria Roxin foi beber nas fontes da Criminologia na Escola Positiva Italiana que teve como um dos maiores expoentes o médico Cesare Lombroso que desenvolveu boa parte de seus estudos tão-somente no conceito ontológico de crime. Conhecido mundialmente por sua obra: “O criminoso nato”.  O crime era visualizado como um fator genético, tal como se tem no raciocínio basilar do Direito de Seqüela, pilar dos Direitos Reais: “a lepra adere ao corpo”. No conceito de crime este é a lepra da alma, ou seja, uma doença que o indivíduo possui uma carga genética que o acompanha por toda a sua trajetória de vida. A personalidade criminosa é a seqüela que o sujeito traz e que perfaz a sua carga genética. O sujeito já nasceu com as características delinqüentes, já veio ao mundo mau: O homem mau.

Posteriormente, surgiu a Escola Francesa, com a finalidade de atenuar os rigores da escola Positiva Italiana. Apregoava que o crime perpetrado pelo criminoso poderia ser comparado como um micróbio/ um vírus que se alastra pelo organismo havendo uma pré-disposição para que indivíduo venha a delinqüir em sua vida, desde que encontre o ambiente e o momento mais oportuno. Conjuga fatores endógenos e fatores exógenos para a perpetração da prática delituosa. O professor Roxin, influenciado por essas duas escolas supracitadas conclui o seu raciocínio: É a própria Sociedade que se autogoverna.

Transportando tais premissas para os dias atuais, a título exemplificativo, na ótica de Roxin, se o jogo do bicho é prática socialmente aceita não há sentido em se criminalizá-la, visto que conta com o aval social: é a vida social que dita o alicerce do Direito Penal e não o contrário. A crítica feita por essa autora no que concerne a teoria alemã é a de que a sociedade é mutável e atrelar à mesma o conceito de crime é trazer para o seu bojo insegurança jurídica, no que haveria subtração de garantias ao próprio sujeito de direitos: o cidadão – no que perderia o sentido a essência da teoria estudada que abarca o Direito Penal Mínimo como pilar.

Já o Funcionalismo Radical derivado de Günter Jakobs possui ótica distinta no que toca a função do Direito Penal que para o estudioso subsume-se na própria vigência da norma; dando-se primazia a norma face ao bem jurídico tutelado por ela. Por tal raciocínio, protegendo-se a norma, por via reflexa, protege-se o bem jurídico; mas, se necessário sacrificar esse em favor daquela tal não denotaria afronta ao sistema. Aliás, Jakobs formou a sua teoria sob a influência da Teoria Sistêmica, elaborada por Niklas Luhmann. Sob essa perspectiva a vigência da Norma autoriza a vigência do próprio Estado.

È a transportação para o Direito Penal dos pensamentos colhidos por Maquiavel em sua obra: “O Príncipe”, esmiuçada sob a assertiva de que os fins justificam os meios e o Estado tudo pode para combater o seu inimigo. Mais importante que determinar uma pena é segregar, por isso o manicômio com prisões perpétuas eram o reverso da moeda do Funcionalismo Penal Radical. Não há que se falar em extinção da punibilidade de medida de segurança, tendo em vista que não é pena, é juízo de penculosidade. A pena atualmente tem natureza distinta da medida de segurança, que só pode ser aplicada ao inimputável e ao semi-imputável, em substituição à pena (sistema vicariante).

 Vale ressaltar que a base filosófica utilizada pelo sociólogo Jakobs busca a sua origem na teoria do contratualismo que se subsume nas seguintes premissas: Hobbes e Rousseau são os maiores expoentes da teoria contratualista. O ser humano se cansa da lei do mais forte e firma um pacto social para que uma entidade superior a ele mesmo regule a vida de todos, representando-o. Eis que surge o Estado Civil, com normas a serem observadas e obedecidas. Aquele cidadão que ousasse desrespeitar o pacto social não era mais digno de estabelecer uma relação jurídica com os seus semelhantes. Estava, pois, fora do sistema e representava, por si só, a figura do inimigo do mesmo. Eis o Direito Penal do autor sobrepondo-se ao Direito Penal do Fato.

Em oposição ao Direito Penal do Fato, temos o torturante Direito Penal do Autor, sendo este aquele em que o sujeito responde pelo que ele é, consubstanciando um real atentado ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como, inegável burla ao princípio da lesividade (ou ofensividade), pois de acordo com o último, não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico relevante, sendo que uma das funções do referido princípio é proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais, de maneira que o Direito Penal só pode ser um direito penal da ação, e não um direito penal do autor, como de alguma maneira se pretendeu.

Eugenio Raul Zaffaroni e Pierangeli ensinam que:

Um direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa, jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o próprio direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação. (ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v.1, p.107.).

Faz-se necessário enfatizar que qualquer pretensão de um Direito Penal do Autor é contrária a Constituição Federal, assim como aos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos subscritos pelo Brasil. E, em assim sendo, jamais há de se admitir o abjeto Direito Penal do Autor, com nítido conteúdo de Direito Penal do Inimigo.

 

O crime era a forma mais grave de se burlar o pacto social. A conseqüência de tais concepções deságua no surgimento de dois tipos de Direito Penal: O Direito Penal do Cidadão versus o Direito Penal do Inimigo. Assim, o delinqüente - cidadão não visa a premeditadamente violar mediata ou imediatamente o pacto social. Esse não é seu móvel, apesar de configurada a prática de seus crimes. E, em assim sendo, a ele é aplicado o Direito Penal do Cidadão, que é opulento em garantias fundamentais coroadas sob o manto do princípio do contraditório. Tal direito é lastreado sob a base da culpabilidade do agente e sua dignidade como pessoa humana. Ao revés, o delinqüente – inimigo pratica o crime com o intuito deliberado de quebrar o pacto social, sendo indiferente ao mesmo. O exemplo mais elucidativo que pode ser citado na atualidade como Direito Penal do Inimigo é o terrorista do Estado. E, aqui, como coroamento da aplicação concreta do Direito Penal do Inimigo no cenário Internacional citamos a prisão de Guantánamo.

Criada no ano de 1942, inicialmente fundamentada para servir de Prisão aos cidadãos estadunidenses de origem japonesa, a prisão de Guatânamo é, na atualidade, motivo de críticas e discussões na área do Direito Penal Internacional, ao argumento de serem mantidos privados de liberdade indivíduos acusados de crimes que não são considerados pela  Organização das Nações Unidas (ONU) crimes de guerra. È importante trazer a baila ao leitor a informação de que a ilha de Guatânamo está incrustada em território cubano, fato este, por si só, gerador de muita controvérsia no que toca a soberania dos Estados Unidos da América naquela região.  Os prisioneiros de Guantânamo são, pois,  interrogados por comissões militares especiais a fim de estabelecer se eles são, de fato, considerados inimigos. As técnicas de interrogatório são as mais cruéis imaginadas pela mente humana. A Organização das Nações Unidas (ONU) apresenta um relatório solicitando, pois, de plano, o fechamento da prisão de Guantânamo com fundamento no uso de técnicas de interrogatório semelhantes a tortura.

Vale destacar a informação de que um dos prisioneiros de Guantánamo tenta o suicídio. Um mês depois, três prisioneiros morrem em um aparente suicídio coletivo. Outros prisioneiros iniciam greve de fome, mas são alimentados à força pelos guardas. A Suprema Corte determina, pois, que o sistema de comissões militares para os detidos viola as leis estadunidenses e a Convenção de Genebra.

Infelizmente, existem numerosos exemplos na história da humanidade de violações do Direito Internacional Humanitário em conflitos em várias partes do mundo não somente em Cuba. As pessoas civis encontram se em número cada vez maior entre as vítimas das hostilidades. No entanto, há que se frisar que existem casos importantes em que, graças ao Direito Internacional Humanitário, foi possível uma proteção de pessoas civis, prisioneiros, doentes e feridos, bem como restrições no uso de armas bárbaras. Dada as circunstâncias de trauma extremo inerentes à aplicação do Direito Internacional Humanitário, ela far-se-á sempre com pesadas dificuldades.

A despeito de Guantánamo  representar um campo minado moral  e socialmente e, pois, um buraco negro legal que a política externa estadunidense precisa lidar, a construção de um poder inteligente no tratamento desta temática deve se pautar na conjugação de um pragmatismo  multilateral - que se baseia em idéias políticas, princípios e valores que tenham conexão com aqueles compartilhados pela sociedade internacional.  Em meados de 2007 documentos extraídos do FBI , obtidos durante um processo iniciado pela União Americana pelas Liberdades Civis, nos dão conta de que ocorreram nada menos que vinte e seis incidentes de possível abuso por parte dos guardas de Guantânamo - que incluem, dentre outras práticas, expor os prisioneiros a temperaturas extremas, desrespeitar o Alcorão e atos de humilhação realizados por guardas do sexo feminino ocorriam aos olhos de todos numa verdadeira barbárie e massacre humano ao inimigo do sistema.

Não é aceitável que se viole o Direito Internacional, banalizando-o; que se exerça tortura, que se abram prisões secretas e que se façam desaparecer prisioneiros. Nos Estado democrático de Direito, os detidos são apresentados à Justiça e têm o direito a defender-se com razoabilidade que denota o aspecto material do princípio da ampla defesa, na ótica esposada pelo Supremo Tribunal Federal. Andou mal a Administração Bush quando cometeu estes abusos, como mal estiveram os que, pelo aplauso conivente ou pelo silêncio envergonhado, foram medita ou imediatamente cúmplices.

Assim, visando, pois, o resgate dos princípios estabelecidos pelo DIH no dia 22 de janeiro de 2009, já sob o mandato de Barack Obama, o presidente estadunidense assinou o decreto que ordena o fechamento do centro de detenção de Guantánamo e proíbe os abusos durante interrogatórios, exigindo respeito à Convenção de Genebra: "O centro de detenção de Guantánamo objeto desta ordem será fechado o mais rápido possível e, no mais tardar, no prazo de um ano a partir da data da ordem", sendo este  um  compromisso político de campanha mais  sutil  a ser cumprido pelo atual presidente  Obama. ( grifos nossos).

 

A prisão de guantánamo denota nada mais nada menos que a punição àqueles que descumpriram o pacto social; bem como os ataques terroristas ocorridos em 11 de setmbro de 2002 às torres gêmeas americanas e, por falar nelas, na prisão de guantáno estão concentrados afegãos e iraquianos - acusados de ligação aos grupos Taliban e Al-Qaeda, em área excluída ao controle internacional no que concerne às condições de detenção dos mesmos.

Dessa forma, se o sujeito é tido por inimigo do Estado a ele é aplicado o Direito Penal do Inimigo, sem garantias ou com supressao quase total delas. O princípio sob o qual assenta as raízes do Direito Penal do Inimigo é o princípio da periculosidade – embora não em sua integralidade -  e não o princípio da culpabilidade no que tange à aplicação da pena. Vige, pois, o Direito Penal do Autor e não o Direito Penal do Fato. Jakobs busca conciliar os dois princípios rotulando o cidadão de imputável perigoso que, em outras palavras significa que o fim maior não não é a pena e sim e recrutamento, o isolamento do cidadão-perigo. Trata-se até mesmo da idéia de uma segregação perpétua.

Como é sabido, no moderno Direito Penal vem se tentando flexibilizar o sistema de pena, dando ao Juiz, quando de sua aplicação, maior possibilidade de exercitar um poder discricionário para encontrar o valor mais adequado para cada caso, sempre com observância dos princípios constitucionais e aos limites estabelecidos na lei penal. Não se leciona o amplo poder dos Juízes existente antes do Iluminismo, como também não se defende o critério rígido defendido por Montesquieu.

Adota-se um critério intermediário, devendo o Juiz observar a culpabilidade cio agente e outros requisitos para escolher, dentre as opções que lhe foram ofertadas pelo Legislador, aquela que melhor se adéqua ao caso concreto. Em síntese, para que se permita à perfeita individualização da pena, deve-se possibilitar ao magistrado um leque de opções para o “calibramento da pena justa”, tanto quantitativa quanto qualitativamente.

Faz-se necessária, pois, a crítica ao Direito Penal do Inimigo tendo em vista que a expressão “ inimigo” denota um conceito jurídico indeterminável, além de inseguro. Quem pode ser considerado inimigo? Jesus Cristo foi crucificado e coroado de espinhos porque ao tentar salvar a humanidade do pecado foi considerado inimigo daqueles que detinham o poder e teminham perdê-lo para o Rei dos “reis”. Trata-se, pois, de expressão que deturpa o próprio princípio da legalidade criando tipos abertos por demais.

Não vamos muito longe: Nos dias atuais os mendigos das grandes metrópoles são tidos pelos governantes e pela população em geral inimigos do Estado. Ateiam-se fogo no Indío Pataxó devido ao fato de o mesmo, como mendigo, causar a jovens de classe média de Brasília poluição visual. Todavia, a Justiça afirma, com vêemencia, que atear fogo sobre o corpo humano não configura a intenção de matar ( dolo eventual); mas ganha o valor de apenas  uma brincadeira, quase nos convendo das atrocidades mundanas. O valor à vida condicionado ao valor econômico, bem jurídico que ganha primazia sobre a vida humana digna.

E isso nada mais é que um retrocesso às garantias fundamentais conquistadas às duras penas pelo Constituinte Brasileiro de 1988, fruto de uma sociedade oprimida pelas mazelas da ditadura, que gritava por democracia. Trata-se, pois, da aplicação do Direito Penal do Autor - que em palavras singelas - significa a punição do agente pelo que ele é e não pelo que ele fez.

A finalidade do Constitucionalismo é limitar o poder do Estado pelo direito; enquanto que a Democracia ( governo do povo) preocupa-se não propriamente com a limitação do poder, mas com a origem dele. A democracia preocupa-se que seja o povo a exercer o poder.

Sobre a Democracia, pode-se dizer que, na primeira fase do Constitucionalismo Moderno (séc. XVIII), os revolucionários trouxeram da Grécia a idéia de Democracia. Havia apenas um “problema”: Na Grécia, a Democracia era direta, ou seja, as pessoas se reuniam em praça pública e deliberavam sobre assuntos de interesse público; o que era possível devido ao tamanho populacional das Cidades-Estado (muito menores do que os Estados que temos hoje). Para adaptar a Democracia ao crescimento dos Estados, criou-se a Democracia Representativa, que “pegou emprestado” do Direito Privado um conceito, que é o contrato de mandato. Por uma ficção, se entendeu que, no momento da eleição, os eleitos são representantes do povo. Com o princípio democrático constrói-se a idéia de vedação ao retrocesso como princípio.

Ensina-nos o Mestre dos Mestres JJ. Gomes Canotilho: ““a idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo.  (...) O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos social já realizado e efectivado através de medidas legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa anulação pura e simples desse núcleo essencial. “A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”. (Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ªed. 1998).

O mesmo  raciocínio de Inimigo do Estado  veste-se como uma luva no que tange aos negros, antes escravos dos seus patrões, hoje ainda escravos dos preconceitos sociais. A protagonista global é negra, mas perde audiência para os olhos verdes da paralítica. As ações afirmativas tentam resgatar a dignidade perdida, corrigir as injustiças históricas; mas são bombardeadas pelos próprios negros, os maiores preconceituosos de sua raça.

Há, ainda, e como não deixar de comentar, a figura do imigrante clandestino. Mais um inimigo do sistema. Humilhações, ameaças e chantagens fazem parte de seu cotidiano.A imigração clandestina é o  efeito colateral de imigrar ilegalmente, isto é, sem a autorização dos governantes para onde se deseja imigrar.bate o recorde com esse tipo de imigração com este tipo de imigração os Estados Unidos da América em que imigrantes mexicanos colam em risco a própria vida pelo perigoso deserto do Texas e tentam, com ou sem êxito, atravessar pela fronteira para morar principalmente na Califórnia.

 Por fim, vale destacar que o Direito Penal do Inimigo corresponde a terceira velocidade do Direito Penal Brasileiro. Idealizada por Silva Sanches a terceira velocidade do Direito Penal apregoa que utiliza-se da pena privativa de liberdade acoplada a flexibilização das garantias materias e processuais.

            Assim: “A "primeira velocidade" do Direito Penal, segundo o autor, se daria no âmbito do por assim dizer clássico Direito Penal, das penas privativas de liberdade, que precisa ser cercado de garantias. No entanto, vislumbra o autor a "segunda velocidade" do Direito Penal, aí agrupando os delitos não punidos com a privação da liberdade, mas com penas restritivas de direitos, que o autor chama de "Direito Penal reparador", em relação ao qual seriam admitidas flexibilizações das clássicas garantias do Direito Penal, na proporção da gravidade de sua sanção. Definido o que seriam as "duas velocidades" do Direito Penal, que poderiam coexistir perfeitamente, ainda admite Silva Sánchez uma "terceira velocidade" do Direito Penal, que combinaria o Direito Penal da prisão com a flexibilização de garantias (a "primeira" e a "segunda" "velocidades" do Direito Penal, na classificação do autor), em caráter excepcional, para enfrentar fenômenos de criminalidade capazes de desestruturar o Estado de Direito”. (JESUS, Damásio E. de. Direito penal do inimigo. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1653, 10 jan. 2008.

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 Essa tendência pode ser detectada em algumas recentes leis brasileiras, como a Lei dos Crimes Hediondos, Lei n. 8.072, de 1990, que, por exemplo, aumentou consideravelmente a pena de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em regime inicialmente fechado com lapso temporal mais rigoroso para a progressão de regime e suprimiu (com recente reforma) algumas prerrogativas processuais (exemplo: a liberdade provisória.

Por fim, o Funcionalismo Reducionista.

       A função do Direito Penal visa à redução da violência de estado de policia.  O crime é, pois, composto de fato típico, antijurídico e culpável.  O mestre argentino Zaffaroni idealizou a teoria da à tipicidade conglobante. Assim, existem, portanto, a tipicidade formal e a tipicidade conglobante. A tipicidade conglobante lastreia-se na seguinte afirmativa: se existe uma norma que autoriza, fomenta ou determina a conduta, o que está autorizado por uma não pode estar proibido por outra.  A título de exemplo: norma que autoriza uma conduta seria a norma encabeçada no art. 128 do Código Penal que elenca os casos de aborto permitido pela legislação brasileira. Norma que determina conduta é, pois, a hipótese do estrito cumprimento do dever legal. Assim: “O ilustre professor de Buenos Aires, E. Raúl Zaffaroni, autor de “En Busca de las Penas Perdidas” (ed. Temis, Bogotá, 1990), ensina que devemos respeitar alguns princípios elementares ou requisitos limitadores da violência, ante a notória irracionalidade e não funcionalidade do sistema penal frente aos Direitos Humanos. Sendo que é prioritário o princípio da idoneidade ética para a administração pública e para as agências oficiais do Estado (ver Zaffaroni, E. Raúl in “Derecho Penal – Parte General”, Buenos Aires, 2000).

Colacionamos ao leitor a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal federal sobre o tema:

RE 460880 / RS - RIO GRANDE DO SUL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator (a):  Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento:  25/09/2007           Órgão Julgador:  Primeira Turma

Publicação

DJe-036 DIVULG 28-02-2008 PUBLIC 29-02-2008 EMENT VOL-02309-03 PP-00567 RTJ VOL-00203-03 PP-01277 RMDPPP v. 4, n. 23, 2008, p.95-98

Parte(s)

RECTE. (S): LAURO SILVEIRA MACIEL ADV.(A/S): RICARDO CUNHA MARTINS E OUTRO (A/S) RECDO. (A/S): EDGAR PACHECO GRAVANA ADV.(A/S): OLÍMPIO SIMÕES PIRES RECDO. (A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Ementa

DOMICÍLIO - INVIOLABILIDADE NOTURNA - CRIME DE RESISTÊNCIA - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. A garantia constitucional do inciso XI do artigo 5º da Carta da República, a preservar a inviolabilidade do domicílio durante o período noturno, alcança também ordem judicial, não cabendo cogitar de crime de resistência.

    Ressalte-se a inexigibilidade de conduta diversa como elemento fulcral do sistema. A essa mesma conclusão, mas por raciocínio diverso, chega o penalista Zaffaroni, mas valendo-se de outro caminho, qual seja o da tipicidade conglobante. Assim, o pilar da sua teoria é o seguinte: se existe uma norma no ordenamento jurídico que aprova uma conduta, o que está aprovado por uma norma não pode estar proibido por outra. Zaffaroni, destarte, absolveria o agente (que defendeu o domicílio) por falta de tipicidade conglobante. Nós o absolveríamos por falta de tipicidade material (falta do desvalor da conduta). Por um ou outro caminho se chega, entretanto, à ausência da tipicidade (não da antijuridicidade ou da culpabilidade).

 

 

 

 

 

 

1.2)           Desenvolvimento.

Vamos nos debruçar nesse nosso pequeno estudo sobre o funcionalismo no Direito Penal, que busca reconstruir a teoria do delito, justificando nosso trabalho nas correntes modernas sobre tal. Isso porque o funcionalismo é um só, mas não é uníssona em doutrina estrangeira a maneira de explicá-lo e mesmo de visualizá-lo. Sim, o que no Brasil soa quase como um palavrão já é na Europa um instituto de franca aplicação.

O instituto é tema de estudos, pesquisas e debates ao longo dos anos, sendo uma corrente com fortes adeptos alemães, espanhóis e portugueses.

E, aqui, nós vamos esmiuçar ao leitor as três correntes basilares sobre o tema, quais sejam: 1ª) Teoria do Funcionalismo Radical; 2ª) Teoria do Funcionalismo Moderado; 3ª) Funcionalismo Limitado, nos posicionando, ao final, sobre a mais acertada para a nossa ordem jurídica brasileira que é de base finalista e, de forma tímida, tem estudado superficialmente e extraído conclusões equívocas a respeito do funcionalismo penal.

Em terras distantes (Alemanha, Espanha e Portugal) houve quem encontrasse um furo na escola penal do finalismo, discordando das idéias propostas por Welzel, pai da ciência finalista. A ácida crítica residiu nas seguintes premissas:

“A definição de dolo eventual e sua delimitação da culpa consciente. Welzel resolve o problema através de considerações meramente ontológicas, sem perguntar um instante sequer pela valoração jurídico-penal: a finalidade é a vontade da realização; como tal, ela compreende não só o que autor efetivamente almeja; como as conseqüências (que sabe) necessárias e as que consideram possíveis e que assume o risco de produzir. Assim sendo, conclui Welzel que o dolo, por ser finalidade jurídico-penalmente relevante, finalidade esta dirigida à realização de um tipo, abrange as conseqüências típicas cuja produção o autor assume o risco de produzir.

O pré-jurídico não é modificado pela valoração jurídica; a finalidade permanece finalidade, ainda que agora seja chamada de dolo. E aqui é surge a crítica elaborada pela escola funcionalista. O funcionalista já formula a sua pergunta de modo distinto. Não lhe interessa primariamente até que ponto vai à estrutura lógico-real da finalidade; pois ainda que tal coisa exista e seja unicamente cognoscível, o problema que se tem à frente é um problema jurídico, normativo, a saber: o de quando se mostra necessária a pena por crime doloso.

O funcionalista sabe que, quanto mais exigir para o dolo, mais acrescenta na liberdade dos cidadãos, à custa da proteção de bens jurídicos; e que quanto menos exigências formular para que haja dolo, mais protege bens jurídicos, e mais limita a liberdade dos cidadãos.” ( Greco, Luís, artigo intitulado “ Introdução à dogmática funcionalista do delito”, publicado na Revista Jurídica, Porto Alegre, Jul. 2000, p. 39).

Em outras palavras: Pouco importa se o dolo abarcará suas conseqüências típicas. O cerne não é o tamanho da vontade em dirigir a conduta; mas a utilidade dessa vontade para o sistema normativo. Restringe-se, pois, o dolo para preservar-se o sistema. Busca a teoria do funcionalismo penal, pois, responder a uma pergunta que é milenar: Para quê serve o Direito Penal no sistema jurídico?

E, aqui, para respondermos com base no funcionalismo e a resposta só pode ser a de que o Direito em geral e o Direito Penal em particular, é instrumento que se destina a garantir a funcionalidade e a eficácia do sistema social e dos seus subsistemas. Fomos beber nas águas do mestre Luís Flávio Gomes (Gomes, Luis Flávio, Curso de Direito Penal pela internet, PG – fato punível, in www.estudoscriminais.com.br, em 13/02/02) para extrairmos tal resposta precisa.

Ensina-nos Rogério Greco: “Na verdade, pretende-se com o funcionalismo levar a efeito uma nova sistematização jurídico-penal. Como o próprio nome está a induzir, o funcionalismo parte dos pressupostos político-criminais ligados diretamente às funções do Direito Penal, principalmente no que diz respeito à chamada teoria dos fins da pena”. (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. p.420.).

            Arremata o seu raciocínio Luhmann: “diante das necessidades dos sistemas, dos subsistemas, e até das relações intra-sistêmicas, aparece à pressão seletiva. Pode-se afirmar que a complexidade implica contingência, que, por sua vez implica pressão seletiva. Quanto maior a complexidade, maior a pressão seletiva”. (Luhmann, Niklas. El derecho de La sociedad. México. Universidad Ibero-americana, 2002).

Todavia, para chegarmos a ela, mais ainda, para chegarmos às doutrinas modernas do funcionalismo, é de bom tom que façamos um passeio histórico pelas escolas penais, até para compreendermos melhor a estrutura do funcionalismo, sabermos a sua origem, seus alicerces principiológicos. “““ “““ Esse passeio histórico irá facilitar o aprendizado sobre o tema, sem qualquer conotação de “viagem interplanetária”, ao contrário, o leitor se sentiria” viajando” caso lhe fosse abruptamente introduzido ao tema sem qualquer preparo ontológico. Tudo soaria abstrato demais e lhe ficaria na mente aquela sensação do “como assim”? Ficaria o leitor desconectado do tempo e da evolução do pensamento.

Os movimentos culturais, dentre eles o Direito, são movimentos pendulares. Visualize o leitor um pendulo. Num determinado momento histórico predomina uma fonte de pensamento Essa fonte de pensamente inspira a própria legislação. Mas como tudo na vida: “não há mal que dure para sempre e nem bem que nunca se acabe”; como tudo na vida, essa fonte de pensamento se esgota e esse mesmo pêndulo é atraído por outra fonte de pensamento contraposta. Segue o pêndulo para lado oposto. Nele não fica para sempre e retorna o pêndulo atraído pela anterior fonte de pensamento. É o velho puxando o novo nos movimentos pendulares. Mas um velho com nova roupagem, modificado, influenciado pelo novo. Eis a diferença!

Fazendo a transposição do parágrafo anterior ao Direito Penal vamos observar que no Direito Penal, de um lado da ponta de uma estrela, está a escola do garantismo penal (o Direito Penal tem a sua razão de ser para a proteção do indivíduo dentro do contexto social. Chefiada por Ferrajoli, em seu trabalho Direito e Razão – Ferrajoli, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. Tradução: Ana Paula Zommer e outros. São Paulo, RT. 2002)) versus ( outra ponta da estrela) o Direito Penal do Inimigo ( trata-se de corrente doutrinária que opta por um Direito Penal protetor da sociedade. Esta teria primazia sobre o indivíduo. Liderada por Jakobs - Jakobs, Günter. La imputación objetiva em derecho penal. Tradução. Manuel Cancio Meliá. Madrid: civitas, 1999.).

Günter Jakobs surgiu ao cenário mundial como filho pródigo de Welzel, seu discípulo pós, aquele que traçou a linha do pós finalismo embasando o seu grande invento na teoria do funcionalismo sistêmico radical cuja premissa lapidar é a de que o Direito Penal existe para desempenhar uma função, qual seja : a proteção da norma.

Apenas de forma mediata, indireta, tutelaria os bens jurídicos mais fundamentais. Em uma metáfora simples: A norma seria o centro do sistema e os bens jurídicos fundamentais apenas assuntos perifericamente tratados por ela. Assim como o sol ( a norma) e os planetas satélites ( bens jurídicos fundamentais).

Os Direitos Fundamentais são direitos subjetivos instituídos pelo ordenamento jurídico com aplicação nas relações das pessoas com o estado e com a sociedade, preceituados ou não na Constituição da República.

Partindo dessa lógica buscamos interpretar o parágrafo acima nas lições do sociólogo Habermas que em sua obra dedica um capítulo acerca da legitimação baseada nos Direitos Humanos. O objetivo do nosso trabalho será mesclar os fundamentos de Jakobs e Habermas sobre o Direito Penal do Inimigo e sua eficácia prática e, ao mesmo tempo, complementar, em suas contradições de sentido.

Enquanto Günter Jakobs salientava: primeiro vamos respeitar a norma, em segundo plano os direitos fundamentais, pois sem Ela ( norma) esses não se sustentam - Habermas apregoa que a Democracia nasce com os Direitos humanos. Essa a síntese que extraímos na lúdica função de tradutores medianos de seu espanhol e vasto conhecimento.

Assim, para que não escape dúvidas: “Voy a utilizar el concepto de legitimación em um sentido doblemente restringido: me voy a referir a la legitimación de um orden político, y exclusivamente AL orden político que representa el Estado constitucional democrático. Quiero recordar, em primer lugar, la propuesta de reconstrucción del nexo interno que existe entre la democracia y los derechos humanos que he tratado em outro lugar”. (Habermas, La Constelación Posnacional, capítulo V, pág. 147).

Dessa forma, a que preço a ordem jurídica estaria assegurada? Haveria legitimidade e democracia acaso se excluísse o inimigo (criminoso econômico, terrorista, delinqüente organizado, autor de delito sexual e de outras infrações penais perigosas)?

Aprofundando-nos estudos de Günter Jakobs, extraímos a seguinte premissa: o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa. Ele acrescenta em seu raciocínio a nossa parca tradução, de maneira enfática:

“ Son especialmente aquellos autores que fundamentan El Estado de modo estricto mediante um contrato los que representan el delito em el sentido de que el delincuente infringe el contrato, de manera que ya no participa de los benefícios de este : a partir de esse momento, ya no vive com los demás dentro de una relación jurídica”. ( Jakobs Günter, Derecho Penal – Parte General – Fundamentos y teoria de la imputación, 2ª edición. (Marcial Ponz, 1997).

Um indivíduo, segundo Jakobs, inimigo do Estado, não seria detentor de direitos fundamentais nem mesmo de forma mediata, indireta, pois violador da norma não poderia gozar das benesses dela.

É cediço que não há nenhuma distinção entre a capacidade de gozo ou de direito e a capacidade de exercício ou de fato. Para efeitos de direitos fundamentais todas as pessoas serão titulares.

Jakobs foi precursor da teoria da prevenção geral positiva fundamentadora que em linhas gerais pregava os seguintes dizeres: que a aplicação da pena evidencia que o agente do crime não se conduziu acertadamente, servindo de orientação aos cidadãos para o cumprimento das normas em geral, com função nitidamente educativa. Por isso, contraposta ao Direito Penal Mínimo (Jakobs, Günter. La imputación objetiva em derecho penal. Tradução. Manuel Cancio Meliá. Madrid: civitas, 1999).

Para elucidação desse fenômeno pendular vamos neste momento fazer nosso passeio pelas escolas penais que lideraram o cenário jurídico até o presente momento.

 

(1.3) Reflexão histórica das Escolas Penais no contexto jurídico.

Há que se fazer referência a um marco histórico delimitador de tais escolas; qual seja: A obra dos delitos e das penas cujo precursor foi nada menos que Cesare Bonesana, o Marques de Beccaria. Tal obra data de 1976, data relevante no plano filosófico-penal (nos primórdios do garantismo penal) sendo contemporâneas as Declarações de Direito Americanas, bem como contemporânea ao movimento denominado iluminismo. A simbiose do iluminismo é a valorização do homem como pessoa humana. Experimentou-se a concretude na maior revolução que o homem já sentiu: a revolução do pensamento.

Até então prevalecia a teocracia e o Direito Penal estava trabalhando a serviço do seu senhor maior que vestia a capa do poder. Era utilizado o Direito Penal para instrumentalizar tal poder. Poder este que não vinha acompanhado de garantias, mas tão-só de ordens. Marca de tal período são os processos da denominada Santa Inquisição. Eram secretos, com inversão de ônus da prova para o réu, com a possibilidade de tortura para se extrair do réu ou acusado a confissão.

E aqui um registro digno de nota: muito embora os pensamentos marcantes da História aqui não são necessariamente contrapostos; pasmem: alguns deles são convergentes e se complementam uns aos outros na defesa social.

Outra alteração histórica do pensamento filosófico que pode ser citação é a transmutação de poder do rei para o povo. Nasce daí o liberalismo, como o lema de que todo poder emana do povo. O povo é que passa a ser o detentor e a fonte de legitimação direta do Poder. Citemos, por todos, Rousseau - que se valeu da teoria do contratualismo, para melhor explicitar a fonte do poder, um poder com a face de democrático, embora maquiada com sombras a qualificar a sua majestosa beleza. Buscaram-se o Deus do mundo; ou seja, o poder de Deus (o criador) se centrou no homem (a criatura).

 Já havia alguma sinalização do liberalismo na Magna Carta, embora esta de democrática não tenha muito, pois que imposta a João Sem Terra. Foi uma carta de cortesia e maiores vantagens aos barões em face do rei, à época João Sem Terra, que de sem terra não tinha nada. Mas foi um documento que propiciou os alicerces de uma liberdade menos arbitrária, com a previsão dentre outras coisas de um Tribunal do Júri, também do habeas corpus.

Foi um documento sem eficácia já que suspensa pelo Papa. Foi tão restrita aos nobres que escrita em latim. Jogou-se a semente que foi mais bem trabalhada no campo fértil do iluminismo.

Após o iluminismo o Direito Penal evoluiu para o que se convencionou chamar de doutrina clássica. A concepção clássica do delito teve como alicerce fundamental o livre-arbítrio. Livre-arbítrio este que serve como justificativa as penas aplicadas aos infratores do sistema. A concepção clássica enxergava como uma função da pena a retribuição pelo mal causado. Mas o escopo primordial da pena era se pagar o mal com o mal (sanção). Foi pai desta escola Carrara. Ainda com resquícios teocráticos via na pena uma retribuição pela ofensa perpetrada a Deus. Em outras palavras: a pena nada mais significa que o castigo imposto ao criminoso.

Em seqüência a escola clássica surgiu à escola positiva, filha de Cesare Lombroso (1876) deslocando o problema da criminalidade para a genética humana. Adotou, pois, a idéia de um determinismo genético. Assim, o homem nasceria delinqüente, portador de caracteres que o impediam ao convívio pacífico em sociedade.

Cesare Lombroso se consagrou na História com a obra: “O homem delinqüente”. Tal escola combateu o livre-arbítrio ao argumento de que o homem seria responsável pelos danos que causasse pelo simples fato de viver em sociedade. O homem seria um ser condicionado por sua própria genética. A partir da idéia de condicionante genética houve uma evolução de pensamento para uma condicionante social. O homem passaria a ser visto como um produto do seu meio social. Houve, pois, o deslocamento do Direito Penal para o campo da sociologia e filosofia criminal.

 E ainda possuímos resquícios dessa escola no Código Penal vigente que leva em consideração a personalidade do agente, bem como a sua conduta social para fins de aplicação da pena. (art. 59, CP).

Em verdade, o que se sucedeu é que o Direito Penal se filosofou. Kant rotulou o Direito Penal como um produto da ordem jurídica. Eis aí um embrião do objeto de nosso estudo; qual seja o funcionalismo. Na ótica proposta por Jakobs a conduta nada mais é que a ação voluntária e consciente capaz de evitar um resultado, desde que lhe seja juridicamente exigível que assim o faça. Assim, de plano o funcionalismo afasta as teorias causais e finalistas da conduta, fruto de critérios não jurídicos, logo, inadequados. A segurança vem da norma. Eis aí a atualidade das lições de Kant a nortear as teorias da moda. 

            Para Luhmann, a sociedade é muito mais complexa do que a nossa racionalidade pode conceber. (Luhmann, Niklas. El derecho de La sociedad. México. Universidad Iberoamericana, 2002.).

Por ser formalista Kant apregoou a idéia de que o Direito Penal tinha que ser tecnicista. Assim, o positivismo simbolizava a condicionante social ou genética enquanto o tecnicismo é o que convencionamos denominar de positivismo jurídico: O Direito Penal se limitava a ser mero intérprete da lei e aplicá-la ao caso concreto. Consagrou-se o princípio da legalidade na compilação dos Códigos Penais. Acentuou o tecnicismo a bipartição do Código Penal em parte geral e parte especial. A parte geral regia as premissas básicas dos sistemas. Surgia o tipo como a descrição de uma conduta. O tipo era a coroa a enriquecer a cabeça do rei e a propiciar maiores garantias aos indivíduos.

Após temos como marco histórico a ser citado à deflagração da teoria do neokantismo através da qual a concepção neoclássica do delito se baseava no fator do conhecimento; o que deflagrou uma crise na teoria da causalidade, visto que conhecimento é raciocínio. Assim, a escola clássica (causal), fundada no livre arbítrio, adotava a teoria da conditio sine qua non. Em outras palavras: considera-se causa aquilo sem o qual o resultado não ocorreria da maneira como ocorreu.

E essa ainda é a fórmula adotada pelo nosso vigente Código Penal. Consagração maior não pode haver do fenômeno do tecnicismo jurídico. Mas suas bases ruíram por apresentarem o defeito de levar a um regresso ao infinito e nos debruçar sobre tal implica, pois, o risco de discutirmos o sexo dos anjos. Assim, por tal raciocínio ora desenvolvido, o mero vendedor de armas seria responsabilizado por um eventual delito de homicídio, o que nos levaria a um contra-senso de um resultado absurdo.  

Dessa forma, houve de sobremaneira uma necessidade de modernização da teoria da conditio sine qua non a fim de obter um resultado mais justo ao infrator da norma. Assim, fez-se necessário um estudo mais apurado sobre a temática e sobre tal surgiram duas vertentes a tentar solucionar a problemática: a primeira vertente teve o mérito de trabalhar o dolo e a culpa, que antes residiam na culpabilidade, deslocando-os para o tipo penal.

E, aqui, houve o aparecimento de outra teoria denominada finalista. O sistema finalista do delito teve como lastro as contribuições filosóficas de Hans Welzel que apregoava que só seria imputável a conduta revestida de dolo ou culpa.

Toda ação seria dirigida a um fim, até mesmo a ação culposa. Assim, a título ilustrativo, se uma pessoa imprime velocidade maior em seu veículo com o intuito de chegar mais cedo em sua casa para não perder a partida de futebol, esse mero intuito está a denotar a finalidade do agente, ainda que extrajurídica.

Boa parte dos juristas brasileiros sustentam a teoria que encampa o finalismo. Mas veja: no exemplo que acabamos de citar, um acidente automotor lastreado na culpa. Note o leitor o seguinte: o finalismo, por mais que se esforçasse não conseguiu solucionar o problema da culpa em que o desvalor está na conduta e não no resultado final. Essa tal finalidade extrajurídica só serve para ocasionar enorme insegurança jurídica. Isso porque o resultado no crime culposo pode ou não ocorrer.

 Assim, nós punimos uma conduta imprudente, imperita ou negligente porque ocorreu o resultado. O crime é o resultado (conseqüência), mas o que nós reprovamos mesmo é a conduta (causa). E veja: quando o ser humano age de forma negligente não tem a vontade, o querer de praticar o delito. Não está, pois, agindo com o fim de praticar o resultado.

A evolução da teoria causal desabrochou na objetivação dos critérios de imputação do resultado, do qual são filhas a teoria da causalidade adequada e a teoria funcionalista.

Na doutrina, em seara cível, a teoria da causalidade adequada foi relativizada pela teoria da necessariedade. Aplica-se a teoria da necessariedade a luz do princípio da proporcionalidade, teoria encampada por respeitáveis civilistas cariocas. Por tal teoria, o dano surge como efeito necessário da conduta.

Por fim, chegamos ao objeto do nosso estudo. Da evolução do finalismo derivou a teoria funcionalista, também denominada de pós-finalista. O sistema funcionalista brilhou no cenário jurídico - albergados por duas orientações: o funcionalismo estrutural chefiado por Parsons, também conhecido como funcionalismo moderado e o funcionalismo sistêmico, liderado por Luhmann, conhecido também por funcionalismo radical.

Assim, a teoria funcionalista procurou resolver o problema da causalidade sob o prisma objetivo, sem prejuízo de se valer dos critérios subjetivos em um segundo momento. Todavia, numa fase anterior ao questionamento de uma finalidade (dolo e culpa) o intérprete passa por uma fase preliminar, de caráter objetivo. Faz-se, pois, um processo de imputação de responsabilidades lastreada em critérios pragmáticos.

O processo de imputação consiste em atribuir alguém a uma relação jurídica. E, aqui, não há que se cogitar no regresso infinito que discutia o sexo dos anjos, e sim imputar alguém que este ligado ao resultado delituoso.

E, assim, fechamos o nosso registro histórico com a segunda grande guerra mundial que se caracterizou, sobretudo na Europa, pelo autoritarismo. E esse autoritarismo e, inevitavelmente, o período pós-guerra foi marcada pelo garantismo penal. Um resgate ao garantismo penal. O cenário alemão se bifurcou entre funcionalistas e finalistas. Na década de 70 se formulou a idéia do moderno funcionalismo delineando o alicerce das modernas teorias do Direito Penal.

 

 

 

 

 

 

(1.4) As premissas básicas da teoria do Funcionalismo Penal.

Na década de 70 surgiram doutrinadores que desenvolveram estudos na busca do resgate de critérios subjetivos somados ao dolo e a culpa e passaram a visualizar o Direito Penal como uma FUNÇÃO inserida na ordem jurídica.

Ensina-nos Rogério Greco: “Dede aproximadamente 1970, começou-se a discutir e a se desenvolver um sistema entendido como racional-final (ou teleológico) ou funcional do Direito Penal. Na precisa lição de Roxin,” os defensores desta orientação estão de acordo em rechaçar o ponto de partida do sistema finalista e partem da hipótese de que a formação do sistema jurídico – penal não pode vincular-se a realidades ontológicas prévias (ação, causalidade, estruturas lógico-reais, etc.), senão que única e exclusivamente pode guiar-se pelas finalidades do Direito penal”. ( Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. P. 420).

De enorme destaque em 1970 citamos a publicação da obra alemã Kriminalpolitik und Strafrechssystem, traduzia em português sob a epígrafe: Política Criminal e Sistema Jurídico Penal, de autoria de Claus Roxin. Tal autor inaugurou as premissas básicas da teoria funcionalista, também conhecida como teleológico-racional que apregoa a idéia de reconstrução da teoria do delito com lastro em critérios políticos criminais. Consiste a política criminal em uma postura crítica voltada ao9 estudo do Direito Penal posto, expondo os seus defeitos, o que se dá tanto no campo da criação quanto da aplicação das normas penais aos casos concretos desaguando em um instrumento do Estado no combate à criminalidade.

Ensina-nos Luhmann: “O estado no sistema político possui importância evidente para a política, mas o sistema político não coincide com o estado. O estado é um sistema de decisões organizadas, diferenciado no interior do sistema político, sendo, assim, uma organização delimitada através de limites territoriais.” (Luhmann, Niklas. El derecho de La sociedad. México. Universidad Iberoamericana). 

A preocupação basilar de tal teoria do funcionalismo penal é a de responder, de plano, a pergunta: para que serve o Direito Penal? Preocupado em divulgar a decadência da teoria finalista Roxin apontou como único caminho viável o abandono do prisma inseguro da vontade ganhando primazia sobre ela as decisões valorativas político-criminais.

Ensina-nos, com proficiência, Luís Greco: “o finalista pensa que a realidade é unívoca (primeiro engano), e que basta conhecê-la para resolver os problemas jurídicos (segundo engano – falácia naturalista); o funcionalista admite serem várias as interpretações possíveis da realidade, de modo que o problema jurídico só pode ser resolvido através de considerações axiológicas, isto é, que digam respeito à eficácia e a legitimidade da atuação do Direito Penal”. (Greco, Luis, artigo intitulado “Introdução à dogmática funcionalista do delito”, publicado na Revista Jurídica, Porto Alegre, Jul. 2000, p. 39).

 

 

 

 

 

 

 

(1.5) A teoria funcionalista bifurcada.

Visando explicitar a pronta resposta sobre para que sirva os Direitos Penais duas correntes, ambas funcionalistas, nos propiciam conclusões bastantes técnicas sobre o assunto. Mas antes de realçarmos as suas diferenças vamos destacar aqui neste trabalho as suas semelhanças. Trata-se da corrente funcionalista de Jakobs e da corrente funcionalista de Claus Roxin. Jakobs foi discípulo de Niklas Luhmann. Na ótica de Jakobs, o Direito Penal tem como função reafirmar os valores de determinada ordem jurídica. Sofreu Jakobs ácidas criticas sobre seu posicionamento ganhando até mesmo a pecha de nazista. Isso porque sua idéia também pode ser utilizada num regime totalitário, embora nem sempre isso se dê.

Como reação Jakobs sinalizou não estar apontando como o Direito Penal deve ser; mas apenas apontando como o Direito Penal foi e é. Oriunda de uma concepção funcionalista extrema ou radical a ação surge na obra de Jakobs como parte da teoria da imputação, que, por outro lado, deriva da teoria da função da pena. Traça-se o quadro de quem deve ser punido para a estabilidade normativa. Assim, justifica-se a punição do agente pelo fato de ter

Agido de modo contrário à norma e cupavelmente.

O Estado é um estado para os totalitários como Jakobs e outro estado para os sociólogos como Habermas. Democracia e segurança jurídica nem sempre são parceiras e caminham lado a lado e a célebre frase de Maquiavel de que os fins justificam os meios nem sempre constitui face da mesma moeda.

Tradicionalmente os Direitos Fundamentais surgiram nas relações entre pessoas e o Estado. Historicamente, nos reportando à Constituição Americana, nos deparamos com a seguinte realidade: Na Constituição Americana os Direitos Fundamentais foram incluídos visando proteger as pessoas das arbitrariedades do próprio ente estatal. A visão moderna do Direito Fundamental nos mostra que eles não devem ser aplicados apenas nas relações das pessoas com o estado, mas também nas relações existentes dentro da sociedade, de pessoa para pessoa.

A questão é se para se chegar à parcela de democracia seria legítima a renúncia do Estado a um indivíduo seu para beneficiar o conjunto que seria a coletividade. Haveria, pois, um pacto, um contrato social e o indivíduo, ao infringir as regras do contrato social, deixariam de ser membro do Estado, pois em guerra com ele?

E seria esse tal contrato social (preconizado por Rousseau e citado por Jakobs) instrumento maior de democracia? Jakobs defende que não é contrato social que legitima o Direito Penal do inimigo e sim o próprio individuo, de per si.

No caso em comento, esse indivíduo seria o inimigo, o malfeitor do Estado, na concepção mais apurada de Jakobs:

“No quiero seguir la concepción de Rousseau; pues em su separación radical entre el ciudadano y su Derecho, por um lado, y el injusto del enemigo, por outro, es demasiado abstrata. Em principio, un ordenamiento jurídico debe mantener dentro del Derecho también al criminal, y ello por uma doble razón: por un lado, el delincuente tiene derecho a volver a arreglarse com la sociedad, y para ello debe manter su status como persona, como ciudadano, em todo caso: su situación dentro del Derecho. Por outro, el delicuente tiene ele deber de proceder a la repación, y también los deberes tienen como pressupuesto la existência de personalidad, dicho de outro modo, el delincuente no puede despedirse arbitrariamente de la sociedad a través de su hecho.

El derecho Penal del ciudadano es Derecho también em lo que se refiere al criminal; este sigue siendo persona. Pero el Derecho Penal Del Enemigo es derecho em outro sentido. Ciertamente, el Estado tiene derecho a procurarse seguridad frente a indivíduos que reinciden persistentemente em la cominación de delitos”. Jakobs Günter, Derecho Penal – Parte General – Fundamentos y teoria de La imputación, 2ª edición. (Marcial Ponz, 1997).

Assim, Jakobs enfrenta o termo pessoa, não como sujeito, mas objeto de direito. A pessoa seria instrumento para o melhor cumprimento das normas. Talvez nossa compreensão do pensamento de Jakobs tenha ficado aquém do que por ele delimitado, mas certamente aqui se extrai o alicerce para as idéias que o filósofo implementará acerca da teoria do funcionalismo penal. 

E, aqui, os dois filósofos se aproximam (Jakobs e Habermas) através de um terceiro filósofo: Hobbes. Em seu texto “El Derecho como categoria de La mediación social entre facticidad y validez” Habermas enfatiza que no papel de cidadão do mundo o indivíduo se confunde com o homem em geral (tradução nossa) e aponta Hobbes como expoente do Direito transindividual.

Em contrapartida, Jakobs apega-se a essa terminologia “dos demais” criticando Hobbes de maneira ferrenha, na alusão de que o Direito Penal do Inimigo constitui um Direito à parte dos demais. Um Direito mais concreto, voltado para um indivíduo em especial, indivíduo esse qualificado como inimigo do Estado.

Na acepção mais aprofundada de Hobbes, em casos de alta traição contra o estado, o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como inimigo.

Dessa forma, o Direito Penal do Inimigo, defendido por Jakobs se estrutura em dois pilares fundamentais; quais sejam: a necessidade da eleição de um inimigo e pela oposição que faz ao Direito Penal do cidadão, casa aonde reside todos os princípios limitadores do poder punitivo estatais. Habermas, todavia, legitima os poderes estatais na soberania popular e direitos humanos. O Direito seria inimigo do cidadão se o privasse de seus direitos fundamentais. (tradução nossa).

É cediço que o Direito Penal do Inimigo garante que as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro).

 

(1.6) Fenômenos Históricos.

Os fenômenos históricos são delimitados da seguinte maneira: até a segunda grande guerra mundial a doutrina penal se digladiava entre as teorias causalista e finalistas da ação. Após a segunda guerra mundial passou-se a discutir, sobretudo, na Europa acerca do modelo do funcionalismo penal.

 

 

 

 

 

 

 

(1.7) As diversas facetas do funcionalismo penal.

Jakobs foi muito criticado, inclusive sendo chamado de nazista. Rebateu as duras criticas ao argumento de que o Direito Penal foi e é um instrumento reafirmador da ordem jurídica vigente. Então, ele serviu de fato ao nazismo porque estes eram os valores adotados por aquele Estado, ao seu tempo. O nazismo também foi um estado Democrático de Direito. Não podemos nos esquecer do fato de Hitler foi eleito pelo povo alemão.

O Direito Penal foi e é um reafirmador do modelo penal adotado em cada período histórico. Reafirmou, de fato, os valores do nazismo porque este era o modelo, a ordem jurídica imposta. Assim como serviu aos valores da Rússia comunista. Nesse ponto Jakobs tem razão. O Direito Penal teórica e praticamente foi e tem sido utilizado para reafirmar os valores da sociedade vigente. agora, esses valores podem ser maus ou bons. Podem ser positivos ou negativos.

È por isso que se chama a atenção de que não basta para um Estado verdadeiramente humanista e democrático se auto-intitulará como um Estado Democrático de Direito. (Jakobs, Günter, Derecho Penal – Parte General – Fundamento e teoria de la imputación, 2ª edición, Marcial Ponz, 1997).

Ensina-nos Rogério Greco: “Em sede de estrutura jurídica do crime, o sistema funcional trabalha com duas vigas mestras: a teoria da imputação objetiva e a ampliação da culpabilidade para a categoria de responsabilidade. A primeira delas, nos crimes de resultado, passa a exigir, além da relação material de causalidade, um nexo normativo de causalidade, a fim de aferir se o resultado produzido pelo agente pode, juridicamente, for a ele imputado. A segunda coluna do funcionalismo, ampliando o conceito de culpabilidade para o de responsabilidade, exige, sempre, a aferição da necessidade preventiva (especial ou geral) da pena, sem a qual se torna impossível a imposição desta”. (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. P. 421.).

A assertiva feita ao nazismo como limitador dos direitos dos cidadãos é incompleta. Isso porque o nazismo também foi um Estado democrático de Direito. Hitler foi eleito e os grandes ditadores foram, ao menos, aceitos pelo povo. O remorso do povo alemão no que toca ao massacre nazista consistiu justamente nesse apoio. E era um estado de Direito porque existia uma ordem jurídica que era serva da ordem jurídica vigente. E o Direito Penal servia a uma ordem jurídica vigente. Jakobs simplesmente não disse o que o Direito Penal deve ser.

Apenas o que o Direito Penal tem sido, efetivamente. (Jakobs, Günter, Derecho Penal – Parte General – Fundamento e teoria de La imputación, 2ª edición, Marcial Ponz, 1997).

Jakobs fez parte de uma concepção funcionalista conhecida como radical. Discípulo maior de Niklas Luhmann, sociólogo alemão, que traçou o funcionalismo sistêmico delito a ação imputável como razão de ser maior da pena. Na ótica de Jakobs, estabelecem-se quem deve ser punido para a estabilidade normativa: o agente é punido porque agiu de modo contrário à norma e cupavelmente (Jakobs, Günter, Derecho Penal – Parte General – Fundamento e teoria de La imputación, 2ª edición, Marcial Ponz, 1997).

Em outras palavras: Jakobs tentou explicar por sua teoria que o Direito Penal possui como função precípua a reafirmação da norma, buscando, desse modo, fortalecer as expectativas de quem a obedece.

Em interessante pesquisa sobre o Direito como categoria da mediação social Habermas cria um ponto de interseção vista em ângulo de dois círculos congênitos que veiculam institutos como: a democracia, o Direito Penal do Inimigo e ordenação social. Ordenação social seria o ponto de interseção entre dois círculos congênitos.

Assim: “O bien el orden jurídico, como sucedia em lãs formaciones sociales estamentales o absolutistas de transición de la primera Modernidad, queda insero em los contextos de um ethos que vale para la sociedad global y sujeito a la autoridad de um derecho suprapositivo o sagrado, o bien las libertades subjetivas de acción han de ser complementadas mediante derechos subjetivos de outro tipo – por derechos de ciudadania” (extrações de texto de Habermas: El Derecho como categoria de la mediación social).

Não há que se falar em ordenação social abstraindo-se da figura do cidadão, ainda que este seja o inimigo do Estado. A ele o Estado dará o Direito, ainda que um Direito Inimigo:

“Se Direito Penal (verdadeiro) só pode ser o vinculado com a Constituição Democrática de cada Estado, urge concluir que Direito Penal do cidadão é um pleonasmo, enquanto Direito Penal do Inimigo é uma contradição. O Direito Penal do Inimigo é um não Direito, que lamentavelmente está presente em muitas legislações Penais”. (in Direito Penal do Inimigo, Luiz Flávio Gomes, texto publicado na internet: www.ielf.com.br).  

Há a falsa percepção de que destruindo o inimigo a ordem social restaria mantida, sendo este pressuposto de validade em uma democracia. Mas a democracia não é Direito de um ou de alguns. Democracia é a exteriorização do bem estar coletivo através do assentimento de seu povo. O Direito Penal do Inimigo não reside se esconde em uma constituição “cidadã”. Escuda-se na ordem jurídica para nela construir seu arbítrio.

Jakobs foi enfático ao preconizar que o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma.

A vigência da norma é protegida à medida que se destroem indivíduos que ofertem perigo ao próprio Estado e fica clara a sua alusão a bipartição do Direito em face de bipartição de pessoas: Existiria um Direito Penal para o cidadão (aquele que não delinqüiu), com todas as garantias penais e processuais penais, que seria o Direito Penal de todos os que se conformarem com a norma imposta e, haveria, pois, outro Direito, o Direito Penal do inimigo de onde o Estado estaria legitimado a atuar, inclusive sob coação física, até chegar à guerra aniquilando o indivíduo ameaçador de sua paz social.

Reproduzimos, aqui, fielmente, as palavras de Jakobs, para que não paire nenhuma dúvida ao leitor: “Por ello, el Estado moderno vê em el autor de um hecho – de nuevo, uso esta palabra poco exacta – normal, a diferencia de lo que sucede em los teóricos estrictos del contratualismo Rousseau y Fichte, no a um enemigo al que há de destruirse, sino a um ciudadano, uma persona que mediante su conduta a dañado la vigência de la norma y que por ello es llamado – de modo coactivo, pero em cuanto ciudadano ( y no como enemigo) – a equilibrar el daño em la vigencia de la norma.

Esto sucede mostrando mediante la pena, es decidir, mediante la privación de médios de desarrollo del autor, que se mantiene la expectativa defraudada por el autor, tratando ésta, por lo tanto, como válida, y a la máxima de conducta del autor como máxima que no puede ser norma”. Jakobs Günter, Derecho Penal – Parte General – Fundamentos y teoria de la imputación, 2ª edición. (Marcial Ponz, 1997).

Jakobs mistura os conceitos de democracia com segurança jurídica, garantindo a supremacia na vigencia da norma com o sacrifício do individuo que a ela infringe. Nada obsta a que haja, de fato, legalidade sem democracia. Poder legal não se confunde com Poder Legítimo.

A legalidade significa conformidade com a ordem jurídica. Poder Político Legal significa o Poder Político exercitado em conformidade com a ordem jurídica, que é própria do Estado de Direito. Já legitimidade significa conformidade com o consenso popular. E em assim sendo, o Poder Político Legítimo é aquele exercitado em conformidade com o consenso popular, típico de um estado Democrático de Direito.

        Claus Roxin filiou-se ao funcionalismo moderado. Procurou dar um conteúdo a essa idéia funcional; ou seja, o Direito Penal tem por função reafirmar os valores da ordem jurídica. Recuperação, punição, isso são conseqüências, são efeitos possíveis e impossíveis no Direito Penal. O que o Direito Penal quer dizer é que esses valores a que a ordem jurídica consagra devem ser respeitados sob pena de aplicação de uma sanção mais grave, que é a sanção Penal. Mas observe o seguinte: Roxin acrescentou um conteúdo: a reafirmação dos valores da ordem jurídica deve ser feita por razões de política criminal para a reafirmação de valores fundados na dignidade humana.

Muños Conde, analisando com acuidade o conceito de responsabilidade introduzido por Roxin, revela que para este último: “a responsabilidade penal pressupões não somente a culpabilidade do autor, senão, ademais, a necessidade da pena desde o ponto de vista preventivo geral e especial.

A culpabilidade e a prevenção, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a colocação de Jakobs, não se fundamenta em uma unidade, senão que se limitam reciprocamente; para Roxin, as necessidades preventivas nunca podem conduzir a imposição de uma pena a um sujeito que não é culpável. “Mas a culpabilidade em si mesma, tampouco, pode legitimar a imposição de uma pena, se esta não é necessária desde o ponto de vista preventivo.” (Muños Conde, Francisco. In: Roxin, Claus. La evolución de La política criminal, El derecho penal y El processo penal, p. 13).

 O núcleo fundamental do sistema formulado por Roxin apresenta-se como a mais singela necessidade de que a política criminal possa penetrar na dogmática criminalista. (Roxin, Claus, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Tomo I, Civitas, 1997).

Então, perceba o leitor a diferença: Jakobs se limita a explicar o que o Direito Penal tem sido, reafirmando os valores de uma ordem jurídica. Roxin vai além; reafirmar os valores é necessário sim, mas que valores? Os valores fundados na dignidade da pessoa humana, acrescidos a uma política criminal. A política criminal consiste em uma diretriz. Como toda política consiste em um direcionamento, um planejamento para se alcançar um resultado. E é justamente nesse campo em que o intérprete e aplicador da norma trabalham com a proporcionalidade no que toca a aplicação das penas.

Agora, Claus Roxin resolveu o problema? Em parte sim. Formalmente ele resolveu o problema. Somos adeptos da teoria funcionalista de Roxin. Os valores firmados na ordem jurídica devem ser os fundados em um bem jurídico ligado a dignidade humana. Mas o grande problema da teoria de Claus Roxin é saber o que é a dignidade humana. O que é a dignidade humana? Nós sabemos que há muitas culturas.

O mundo, apesar da chamada globalização da informação, recebe culturas com valores bastante diferentes. Já se tentou, inclusive, dizer que haveria um núcleo comum, mas acontece que no Direito muçulmano usar burca por imposição do Estado não viola a dignidade humana. Isso para a cultura deles. Assim não viola a dignidade humana usar na praia de Ipanema um biquíni fio dental, para a nossa cultura brasileira de um país tropical como o é o nosso.

Já se tentou também dizer que haveria, pois, um núcleo ocidental; o que não nos afigura correto. Isso porque há países que apregoam a pena de morte como uma saída justa ao delinqüente. Não vêem nisso nenhuma violação a dignidade humana. E hoje, tema da moda no Brasil, é a discussão do uso do chip no corpo humano para fins de persecução penal ou mesmo de execução penal quando o condenado se encontrar em situação de liberdade condicionada ou mesmo de regime aberto. Seria tal instrumento violador ou não à dignidade humana? Nossa discussão limita-se a nossa forma de pensar, a nossa cultura.

Habermas reduziu a dignidade humana ao pudor de autodeterminação. A pessoa maior e capaz que tem o poder de autodeterminação carrega consigo a dignidade humana. E aí não importa o seu comportamento, desde que, evidentemente, não prejudique terceiros. Assim, quer mendigar ou ser morador de rua faz parte do desejo que cada um assume para conduzir-se a si mesmo no mundo. Tanto que na Alemanha não há que se falar em induzimento ao suicídio. Tal conduta, se praticada na Alemanha, será atípica face ao respeito ao livre-arbítrio de viver ou morrer de seu povo.

Observe que cada cultura tem o seu conceito. O diferencial brasileiro é que nossa cultura enxerga no princípio fundamental da dignidade humana algo além do que o mero poder de autodeterminação. É lógico que o poder de autodeterminação é fundamental. Mas só isso não nos basta.

Há outros valores culturais, valores positivos e isso nos explicam o porquê de criminalizarmos a matança de animais, ato ofensor de nosso sentimento. Não é o sofrimento do animal por si mesmo, mas pelo fato de nos atingir, de maltratar o nosso pudor. E assim também o ato obsceno. Agride a nossa integridade íntima, a esfera intangível da pessoa e o seu direito de não se ver agredido por uma cena violenta.

 Assim, a dignidade humana é um conceito fluido. Varia de cultura para cultura. E cultura aí não se limita o tamanho do continente. Nós observamos diferenças culturais gritantes e aí o Direito Penal entra em cena para reafirmar os seus valores culturais.

A título de exemplo: na Espanha, a tourada é considerada um símbolo esportivo nacional. Já no Brasil a farra do boi foi coibida nas antigas festas do folclore brasileiro. Isso por que nós interpretamos a dignidade humana de uma maneira distinta. Dessa forma, os valores positivos de uma sociedade integram o conceito de dignidade humana.

No cerne do funcionalismo está a tutela de um bem jurídico. O bem jurídico é aquele valor cultural ou social que a ordem jurídica reconhece como merecedor de proteção.

O funcionalismo de Claus Roxin, adotado por nós, começa, pois, a discutir alguns problemas graves. Se a finalidade do Direito Penal é a de reafirmar valores fundados na dignidade humana, então, os crimes deveriam ser tão-somente de dano. Enquanto o bem jurídico não for atingido O Direito Penal não deve atuar. Acontece que essa idéia está em contraposição com toda a legislação do planeta. Isso porque existe do ocidente ao oriente os crimes de perigo abstrato.

Houve uma evolução muito grande no Direito penal quanto aos crimes. Em um passado mais remoto se tutelavam apenas bens jurídicos individuais. O crime de furto já então previsto no Código de Hamurabi. Cortava-se a mão daquele furtador de laranjas. Agora, da segunda metade do século XX para o século XXI a preocupação maior do Direito Penal voltou-se para os bens coletivos e difusos.

Assim, houve maior tutela ao meio ambiente, a ordem econômica. Hoje tem maior peso o meio ambiente, pois garantidor da própria sobrevivência humana. Ninguém poderia vislumbrar em meados do século XVIII um direito regulador do espaço aéreo, já que os pássaros eram os únicos animais que voavam naquele tempo. O próprio Direito do trânsito também não se justificava, já que o meio de transporte eram cavalos, quando muito, os bondes. Assim, os valores vão se modificando no decorrer do tempo.

E em assim sendo, essa mudança de valores passou a ampliar os crimes de perigo. Crimes de perigo concreto, crimes de perigo abstrato; portanto, presumidos e mais genéricos. Hoje, inclusive, a doutrina mais abalizada vem reconhecendo alguns crimes denominados da precaução em que não há um perigo avaliado e sim um risco hipotético. Assim, na lei ambiental temos, a título de exemplo, o crime de introduzir espécie da fauna, que não seja da fauna brasileira, de uma fauna estrangeira.

Não podemos mensurar se tal conduta será benéfica ou maléfica ao meio ambiente. Há, todavia, um risco hipotético de que venha a perturbar a nossa fauna. Agora, nada nos garante de que essa introdução possa ser boa. A América não tinha cavalos. Os cavalos lá chegaram com origem européia. E nem por isso podemos dizer que foram maléficos ao mundo. Já na Austrália a importação de coelhos foi uma praga. Tudo isso é muito relativo.

Dessa forma, pelo acima exposto, o Direito Penal se antecipa a lesão. Pode estar inserido no perigo concreto, no perigo abstrato e até na precaução. Na última edição da obra de Claus Roxin, datada de 2006, ainda não traduzida para o português, após expor todo o conteúdo do Direito Penal em sua proteção ao bem jurídico reconhecido pela ordem jurídica, o mestre acrescentou uma frase: “mas há crimes em que não se vislumbram um bem jurídico tutelado”.

Eis aí uma grande discussão: poderá o Direito Penal criar um crime que seja totalmente revestido de abstração por uma conduta que se entenda culturalmente reprovável?”“. Eis aí uma grande polemica e uma grande discussão a ser travada.

Há quem sustente até no Brasil que crimes de perigo abstrato são inconstitucionais porque não há lesão a um bem jurídico constitucionalmente tutelado. Isso por não haver sequer um perigo concreto. Todavia, temos que trabalhar com a realidade: em todas as legislações há delitos de perigo abstrato e há delitos de precaução.

Assim, por todo o nosso Código Penal atual que preconiza em seu artigo 288 o crime de quadrilha ou bando, que nada mais é que um crime de perigo abstrato mesclado a um delito de precaução. Nós não punimos, em regra, no Brasil os atos preparatórios; mas, nos Estados Unidos da América os atos preparatórios são punidos pelo crime de conspiração, que nada mais é que o planejamento e preparação de outro crime e que, muitas vezes, é até considerado mais grave que o crime que iria ser efetivamente praticado.

E aí enfrentamos em nossa ordem jurídica um problema interno que é a escolha dos bens jurídicos numa hierarquia constitucional. Nossa constituição tratou de assuntos desnecessários, mas até como forma de reação aos governos militares de ditadura e tortura que muitos de nós havíamos sofrido. Foi uma resposta democrática, mas foi redundante na proteção de alguns bens jurídica e até cansativa. O fato é que ela não tem delimitada uma hierarquia concreta de bens jurídicos. No afã de proteger-se demais, protegeu-se de menos.

Não se escalou qual o bem jurídico de maior valor. A resposta a essa singela pergunta nos leva ao estudo da proporcionalidade. Poderíamos até rotular a vida como o bem jurídico de maior valor, mas pela própria Constituição não o é, já que após a palavra vida segue-se uma vírgula elencando a saúde, o patrimônio, etc. Assim, o homicídio que tutela diretamente a vida é um crime prescritível. Todavia, são imprescritíveis os crimes de racismo e de ação de grupos armados contra o estado. Então perceba o leitor: o racismo é mais grave do que o homicídio, pela própria Constituição. Ela mesma admite a pena de morte em crimes de guerra, preponderando à segurança do estado sobre a vida do indivíduo.

Repisando, o funcionalismo é, pois, um conjunto de teorias que vislumbram no Direito Penal a finalidade ou a função de reafirmar os valores sociais consagrados por uma determinada ordem jurídica (sem valoração: Jakobs); essa mesma ordem jurídica quando fundada na dignidade humana dentro de uma política criminal (Roxin); ou seja, como uma política criminal que no Brasil nós deixamos a desejar! Nossa proporcionalidade é, pois, muito falha. Muitas vezes os meios de comunicação delimitam o juízo de reprovação: processa, condena e julga. Estamos em uma fase de transição. Vivemos um Direito Penal de metamorfose!

Por fim, ainda nos deparamos com uma terceira vertente da teoria do funcionalismo penal. Trata-se do funcionalismo limitado. Defendido por Santiago Mir Puig, mediante o qual, o Direito Penal fundamenta-se por sua utilidade social e encontra a sua própria limitação no estado democrático de Direito. Assim, o princípio da legalidade limita a atuação do Estado. O princípio da razoabilidade é outro balizador das condutas entre o Estado e o indivíduo e entre os próprios indivíduos em suas relações travadas em âmbito privado. (Gomes, Luis Flávio, Curso de Direito Penal, pela internet, PG – Fato punível, in www.estudoscriminais.com.br, em 13/02/02.).

A grande crítica a esse limite social advém do próprio conceito de sociedade, pois esta é uma no Brasil e outra no oriente, assim como os seus valores.

 

 

 

 

 

 

(1.8) Conclusões:

Não existe mais de um funcionalismo penal. O funcionalismo penal é um só, embora sejam diversas as formas de enxergá-lo; mas todas levam nos levam a um ponto em comum; qual seja: a insegurança da conduta. Para o funcionalismo penal o sistema jurídico só encontra segurança nele mesmo, ou seja, em sua densidade normativa. Assim, o finalismo ainda prepondera sobre nosso sistema jurídico, mas nos leva a insegurança de se enquadrar a conduta culposa dentro do que se entende por resultado final, querido e assumido pelo agente.

O funcionalismo de Jakobs teve o mérito à reafirmação da norma, mas restou incompleta em sua essência, pois a norma visa a proteger valores. Surge Roxin delimitando os valores, mas que valores? Nossa Constituição não nos delimita e continuamos no limbo jurídico. Por fim, traçar o limite social do funcionalismo já nos geraria o conflito sócio-cultural, pois a sociedade muda com muita versatilidade. As culturas são diferentes e essas mesmas culturas é que vão definir a própria sociedade.

Em assim sendo, apesar de ter sido abraçado na Europa em grande escala o funcionalismo penal para que possa ser aplicado ao modelo brasileiro precisará de alguns ajustes e o primeiro ajuste passa pela própria constituição da República que poderá ser alterada via emenda constitucional elencando em primazia, como cláusula pétrea, a vida como bem jurídico maior. Não basta uma cláusula pétrea trazendo a vida, pois esta já existe, mas elencando a vida como bem maior. Isso porque a partir do momento em que a palavra vida vem seguida de uma vírgula já denota que ela é um direito fundamental que pode ser relativizado. Do contrário, o funcionalismo penal não sairá do papel e dos estudos de uma viajante como eu.

 

Capítulo II: A teoria da Imputação objetiva.

 

 

 

Sumário:

1.1) Teoria da Imputação Objetiva e seu reflexo ao Funcionalismo Penal; 1.2) Esclarecimentos sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal; 1.3) Julgados nacionais sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal; 1.4) Conclusões finais; 1.5) Referências bibliográficas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(1.1) Teoria da Imputação Objetiva e seu reflexo ao Funcionalismo Penal.

 

                  Preconizada por Roxin, o mundo jurídico vislumbrou a existência de uma teoria, qual seja: a imputação objetiva - oriunda na fundamentação do estudo da estrutura criminal em aspectos de política criminal. Estuda-se a origem e não a conseqüência do crime. Em outras palavras: antes de se pensar sistematicamente o crime, deve-se analisá-lo politicamente.

 

Elaborando os seus estudos sobre a teoria da imputação objetiva acerca de sessenta anos atrás, o professor Damásio. E. Jesus extraiu as seguintes premissas: “... há imputação objetiva quando o resultado é causado materialmente por uma conduta produtora de um risco juridicamente proibido no mesmo instante em que o evento fatalmente teria ocorrido em face de outro perigo preexistente. O pai da vítima realizou uma conduta perigosa juridicamente proibida (atirar na vítima), materializando-se o risco na morte do condenado (resultado normativo), ainda que, fatalmente, o evento ocorreria em face da atuação do carrasco" (Jesus, Damásio E. de: Imputação Objetiva: O "Fugu Assassino" e o "Carrasco Frustrado". Boletim IBCCrim, Ano 7, n.º 86 – Janeiro/2000. Página 13.). Todavia, sua origem histórica remonta as bases filosóficas, de Hegel, com sua filosofia subjetivista/sociológica que tem o seu ponto de partida com o filósofo Durkheim, que profetizava que uma sociedade normal deve possuir em seu meio o crime, contando que não hajam excessos em quantidade e qualidade.

 

Os estudos sobre a teoria da imputação objetiva desaguaram conseqüências para a filosofia dos sistemas que foi obrigada a se aperfeiçoar e buscou como alicerce o Direito Penal funcionalista, que, dentre outras bases sustenta que, sendo o Direito uma parte do sistema social (subsistema de um sistema global), a adequação social passaria a ser elemento normativo do tipo.

Foi com lastro em um funcionalismo penal que se encampou à imputação objetiva, cuja aceitação não é pacífica em doutrina e jurisprudência. Migrada na Alemanha, desaguou para a Espanha, bem como para alguns países latinos americanos. Em seara brasileira, os penalistas têm receio quanto à cientificidade da teoria, havendo, pois, números julgadores e julgados favoráveis, outros, todavia, receosos.

Aduz-se que a teoria da imputação objetiva recai sobre o aspecto objetivo normativo e não naturalístico, sua principal inovação é basicamente o incremento da teoria do risco – não obstante somente imputar ao agente, fatos que concretamente contribuiu para o aumento do risco juridicamente permitido com conseqüente propósito de realização deste risco com desrespeito às leis. Assim, o risco permitido, a imputação objetiva da conduta é excluída. Observe o leitor atento que, ainda, que haverá o afastamento da imputação objetiva quando não houver correlação entre o risco ocorrido e o resultado jurídico.

             Trata-se de uma teoria em desenvolvimento, e que no Brasil, encontra-se vários adeptos, na linha filosófica de raciocínio de Roxin. Na Alemanha e também Espanha, grandes são os avanços desta concepção, que abarcaria para a população uma constante diminuição da punibilidade, não deixando de punir os culpados, mas buscando superar as dificuldades de nosso sistema penal, trazendo nova idéia do conceito final de uma ação injusta.

O contraponto negativo da respectiva teoria é o de que conquanto na Alemanha exista uma boa aplicação desta teoria, e que tenha defensores como Jakobs, não devemos jamais nos esquecer da realidade jurídico-penal brasileira, onde soluções fáceis a determinados casos em um país de primeiro mundo, podem não o ser para nossa sociedade libertária.

 

(1.2) _ Esclarecimentos sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal.

Surgiu para conter os excessos da teoria da conditio sine qua non no estabelecimento do nexo causal. Colocando em discussão a teoria da imputação objetiva, chamamos a atenção do autor para os seus vários desdobramentos, ou seja, não existe uma teoria de imputação objetiva voltada numa única direção, unívoca, constituindo um critério único que procure resolver todos os problemas da imputabilidade. Não há que se falar da imputação objetiva como uma teoria, mas, sim, como um movimento, que, como tal, deve ter suas questões remetidas à política criminal, distanciando, igualmente, da dogmática jurídico-penal: 

“As raízes históricas espirituais da teoria da imputação objetiva remontam-se até a filosofia jurídica de Hegel. Dela é que Larenz, no ano de 1927, extraiu uma concepção da imputação objetiva, que logo depois foi aplicada por Honig, especificamente, na dogmática jurídico-penal. Foi a Honig (e, é claro) também a Larenz) que me referi, ao desenvolver em 1970, de princípio do risco, que desde então tem feito uma carreira repleta de sucessos”. (Claus Roxin, in Estudos de Direito penal, pág. 170).

Os crimes de perigo abstrato permaneceriam no primeiro nível de imputação. Em todo caso, à configuração concreta do tipo da tipicidade seria necessário constatar a criação de um risco juridicamente desaprovado, analisado sob a perspectiva ex ante, ou seja, sem considerar a presença ou não de um objeto típico no possível raio de alcance da conduta, o que constitui algo mais que exigir a mera perigosidade geral de uma classe de comportamentos – diferenciando-se, assim, das teses formais -, porém não implica requerer a comprovação ex post da realização do perigo, âmbito reservado para os crimes de resultado – resultado de perigo ou resultado de lesão. Também seria possível excluir o injusto das condutas formalmente caracterizadas como infrações de perigo abstrato a partir de critérios extranormativos relevantes para a demarcação de condutas injustas de condutas penalmente irrelevantes, como o princípio da confiança, a atuação da vítima, regulamentações comunitárias, etc. (JAKOBS, Günter. Derecho Penal – parte general, p. 224. JAKOBS, El concepto jurídico-penal de acción, em: Estudios, p. 101 e ss.. CANCIO MELIÁ, Manuel. La Teoría de la Imputación Objetiva y la Normativización del Tipo Objetivo, p. 129. Para Tório Lopez, o conceito de imputação objetiva descansa sobre a ação perigosa, ou seja, sobre as propriedades da ação que permitem considerá-la como fonte de um perigo possível. TÓRIO LOPEZ, Angel. Natureza y âmbito de la teoria de la imputación objetiva, p. 34. Parece que o professor espanhol parte das premissas erradas para concluir, corretamente, que o direito penal não deve alcançar condutas que, em concreto, não ostentem um mínimo de perigo para o bem protegido. Premissas erradas porque questões afetas ao desvalor objetiva da conduta não constituem problemas de imputação objetiva.)

Preconiza o autor Renato de Mello Jorge Silveira o que "inúmeras são, por todo o mundo, as discussões quanto à teoria da imputação objetiva. Variadas são suas formas de aplicação. Mesmo no Brasil já começam a se ver sentenças utilizando-a. Muito se pode aceitá-la ou não, difícil, contudo, quer parecer simplesmente entendê-la como supérflua, especulativa ou sem interesse. Mostra-se fundamental a aceitação do fato de que o Direito está qual a sociedade, em profunda mudança, requerendo, assim, novos institutos para sua proteção. Aqui, em especial, talvez resida o principal mérito da imputação objetiva. Outros tantos existem, e tampouco parecem abstratos, mas estes são mais do que suficientes para justificar toda uma aplicabilidade construtiva de uma nova imputação."(07. Os detratores da teoria da imputação objetiva. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 30.8.2001.).

Nos moldes da teoria ora estudada, o nexo causal não pode ser concebido, exclusivamente, de acordo com a relação de causa e efeito, tendo em vista que o Direito Penal não pode ser regido por uma lei da física ou da química. Assim, além do elo naturalístico de causa e efeito, são necessários os seguintes critérios: criação de um risco proibido (A título de exemplo: uma namorada leva o namorado para jantar, na esperança de que ele engasgue e morra, o que acaba acontecendo. Não existe nexo causal, is que convidar alguém para jantar, por mais devastas que sejam as intenções, é uma conduta absolutamente normal do dia a dia, permitida, lícita. Pessoa alguma pode matar outrem mediante convite para jantar.

Jantar, por si só, não é meio executório, por se tratar de um comportamento social padronizado, que leva um risco permitido... (e riscos permitidos, por si só, não podem ocasionar resultados proibidos); deve, pois, o resultado estar na mesma linha de desdobramento causal da conduta, ou seja, dentro do seu âmbito de risco (A título de exemplo: um traficante de cocaína (droga) a vende para um usuário, o qual, por descuido imprudente, em uma verdadeira auto-exposição a risco, toma uma overdose e morre. A morte por uso imoderado da substância não pode ser causalmente imputada ao seu vendedor, por se tratar de uma ação a próprio risco, fora do âmbito normal de perigo provocado pela ação do traficante. Racionando , ao contrário do que estatui a conditio sine qua non, não existiria nexo causal em nenhuma das causas relativamente independentes); de, pois, o agente atuar fora do sentido de proteção da norma (quem atira contra a perna de um sujeito, prestes a se suicidar com um tiro, não pode ser considerado causador de uma ofensa à integridade corporal do suicida, pois quem age para proteger tal integridade, impedindo, pois, com sua conduta, a morte, não pode, ao mesmo tempo, e contraditoriamente, ser considerado causador desta ofensa).

Assim, sob as diretrizes de tal teoria, toda vez que o agente realizar um comportamento socialmente padronizado, normal, socialmente adequado e esperado, desempenhando normalmente seu papel social, estará gerando um risco permitido, não se cogitando da hipótese de ser ele o causador de nenhum resultado proibido.

Para exemplificar o acima exposto, Damásio de Jesus traz o seguinte exemplo em sua obra sobre o tema:

O caso cinge-se a um sujeito atirador de pedras. Ariane atira uma pedra na direção da cabeça de Bernardo, com intenção de matá-lo. O arremesso, pela forma de execução, é mortal. Cátia desvia a pedra com as mãos, vindo esta atingir Danilo, causando-lhe lesões corporais.

             Conclui o ilustre penalista: “Não resta dúvida de que subsiste uma tentativa de homicídio de A contra B. Quanto à responsabilidade pelas lesões corporais sofridas pela vítima D, deve-se considerar que, aplicando a teoria da causalidade material, encontram-se ligadas à conduta do interveniente: se o sujeito C não tivesse interferido, D não sofreria ferimentos. Por outro lado, deve-se ver também que não se mostra justa a incriminação de C pelos ferimentos produzidos em D. A norma não proíbe condutas que reduzem o risco de dano a um bem jurídico: a interferência de C diminuiu o risco à vida de B. A que título, porém, C deve ser isento de responsabilidade: atipicidade por falta de dolo, exclusão de tipicidade do fato em face de ausência de imputação objetiva ou incidência de causa de justificação?

            Para a teoria da imputação objetiva, trata-se de atipicidade da conduta. Se fossemos aceitar a idéia da incidência de uma causa excludente da ilicitude, seja legítima defesa ou estado de necessidade de terceiro, estaríamos acatando haver C cometido um fato típico (cumprindo o tipo objetivo), exatamente o que se pretende afastar. Daí a solução da redução do risco, afastando a tipicidade. O Direito penal não pode considerar típica a conduta do interveniente.”. (JESUS, Damásio E. de Jesus. Imputação Objetiva, Editora Saraiva 2000.)

 

 

(1.4) Julgados nacionais sobre a Teoria da Imputação Objetiva inserta no Funcionalismo Penal.

 

A Corte Superior, em meados de 2006 se pronunciou pela primeira vez sobre o tema ora versado. Assim, o Superior Tribunal de Justiça, em um julgado apenas, admitiu a sua incidência no em nosso ordenamento jurídico de tal teoria, de sorte a afastar a tipicidade do fato, tendo em vista que ainda que fosse reconhecido o nexo causal entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, "à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não ocorrente na hipótese" (STJ, 5ª Turma, HC 46525/MT, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 21/03/2006, DJ 10/04/2006, p. 245).

Colacionamos julgados de alguns Tribunais de Justiça de outros entes da federação (Rio Grande do Sul e Minas Gerais) sobre o tema em epígrafe: Visualize o leitor!

EMENTA:  APELAÇÕES DEFENSIVAS. ART. 121, § 3, DO CÓDIGO PENAL. - Embora uma vertente da prova de conta que o equipamento (extensão) não se encontrava em boas condições e que era costume dos empregados efetuarem a troca de lâmpadas, há prova em sentido contrário. Não podemos desconsiderar que, em relação ao equipamento (extensão), há, inclusive, prova pericial. Temos, assim, que não restou comprovado extreme de dúvida, como era necessário para ensejar o édito condenatório, que o equipamento fosse inadequado ou que não estivesse em bom estado (em situação precária, sem a devida manutenção), nem que havia determinação para que a vítima retirasse a lâmpada da extensão ou efetuasse sua manutenção. - Além disso, não podemos olvidar que o um dos elementos do tipo culposo é a previsibilidade objetiva, conforme ressaltou, quando do julgamento do Resp 40180/MG, o eminente Ministro ADEMAR MACIEL. Do douto voto, retiramos a seguinte passagem: "Hoje, pela doutrina de WELZEL (Das deutsche Strafrecht) a denominada "teoria finalista da ação", adotada por nosso CP, a culpa integra o tipo. E um dos elementos do tipo culposo é exatamente a previsibilidade objetiva que não corresponde ao cuidado requerido ou devido. Para que o recorrido tivesse praticado uma ação típica, o acontecimento ilícito deveria estar na esfera de previsibilidade." - Assim, no caso 'sub judice', não demonstrado que o equipamento fornecido era inadequado (extensão) ou não estivesse em bom estado, mesmo que viéssemos a reconhecer que era comum ''... os empregados trocarem as lâmpadas queimadas'', não podemos desconsiderar que a troca de uma lâmpada de uso geral, afixada em uma extensão, é atividade comum e que, em tais casos, o resultado morte está fora da previsibilidade normal dos homens. - A vítima, no caso em exame, quebrou o dever objetivo de cuidado, pois se desejava trocar a lâmpada (lâmpada queimada) ou retirá-la, agiu com imprudência, visto que não solicitou fosse desligado o disjuntor referente ao circuito da lâmpada ou a flecha da tomada, bem como retirou as luvas, tocando ainda na parte metálica do bocal ou na rosca. - Devemos lembrar, neste passo, que ''Associada à teoria da imputação objetiva, '' - conforme deixou assentado o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (HC 46525/MT; Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 21/03/2006) - ''sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança... ''. Magistério de EDILSON MOUGENOT BONFIM e FERNANDO CAPEZ. - Cumpre lembrar, por fim, que '' (.) NÃO HÁ CRIME SEM RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA E O RESULTADO. URGE, ENTRETANTO, NÃO FICAR RESTRITO AO VÍNCULO MATERIAL. CASO CONTRÁRIO, CONSAGRAR-SE-Á A RESPONSABILIDADE OBJETIVA, CONSTITUCIONALMENTE REPELIDA. URGE, ADEMAIS, DISTINGUIR, PREVISÃO, OU PREVISIBILIDADE DO RESULTADO EM TESE, DO RESULTADO CONCRETO. AO DIREITO PENAL DA CULPA SÓ INTERESSA O SEGUNDO. '' (trecho da ementa do REsp 104221/SP, Relator Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO; Órgão Julgador: SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Data do Julgamento: 19/11/1996). APELAÇÕES PROVIDAS. DECISÃO UNÂNIME. (Apelação Crime Nº 70008755480, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 29/05/2008)

 

 

EMENTA:  EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. - O julgado não padece de qualquer vício. As matérias questionadas foram todas examinadas no acórdão embargado. - O embargante, quando do apelo, argumentou que deveria ser considerada a teoria da imputação objetiva. A conclusão do julgado, embora não agrade o embargante, que defendia a aplicação de teoria diversa, foi explicito sobre tal questão. Anote-se, então, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: HC 27347/RJ, Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO. - Este Colegiado, deve ser ressaltado, destacou passagem na lição doutrinária que mencionou (Edílson Mougenot Bonfim e Fernando Capez), no sentido de que o Código Penal ... definiu a relação de causalidade no art. 13, ratificando o anterior art. 11 (Parte Geral de 1940), ensejando já uma tradição em nosso direito ao recepcionar a teoria da conditio sine qua non. ¿ - Os embargos, por sua vez, não se prestam para responder questionários. Neste sentido: EDMS 5523/DF, Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça; e, EDMS 4838/DF, Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. - Cumpre lembrar, isto tão-somente em homenagem a combativa defesa, que ¿Todas as forças que concorrem para o resultado in concreto, apreciadas em conjunto ou uti singuli, equivalem-se na sua eficiência causal. Nem uma só delas pode ser abstraída, pois, de outro modo, se teria de concluir que o resultado, na sua fenomenalidade concreta, não teria ocorrido. Formam elas uma unidade infragmentável.¿, conforme lecionou o mestre Hungria. - Deve ser lembrado, neste passo, que é possível ao Juiz, segundo entendimento da Corte Especial do egrégio Superior Tribunal de Justiça, ante o princípio do livre convencimento, julgar questão levando em consideração o fundamento, a jurisprudência e os aspectos que tiver como acertados para a decisão da matéria. (EADRES 113049/DF, Relator: Min. JOSÉ DELGADO) - No que tange ao exame da matéria à luz de outro entendimento, deve se consignar que tal pretensão é inadmissível no âmbito dos embargos (Theotônio Negrão, in Código de Processo Civil, 2.ª Edição, em CD-ROM) - Verifica-se, assim, que, na realidade, o que pretende o embargante é rediscutir a matéria, extrapolando a via limitada dos embargos declaratórios - com o rejulgamento da causa e alteração do julgado -, o que acarretaria, inclusive, a nulidade desta decisão. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. EMBARGOS REJEITADOS. (Embargos de Declaração Nº 70018883355, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 09/08/2007)

 

EMENTA:  APELAÇÃO DEFENSIVA. MAUS-TRATOS QUALIFICADO. - Não assiste razão a combativa defesa quando prega a aplicação da teoria da imputação objetiva, pois ¿¿... O sistema criminal brasileiro, como ensina a unanimidade da doutrina, adota a teoria da equivalência dos antecedentes ou da condictio sine qua non (RENÉ ARIEL DOTTI), não distinguindo entre condição e causa considerada esta como toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (ANÍBAL BRUNO).¿ (trecho da ementa do HC 18206/SP, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 04/12/2001). - Lições doutrinárias de Edílson Mougenot Bonfim e Fernando Capez - Por outro lado, o ¿... crime de maus tratos, em qualquer de suas modalidades, é crime de perigo...¿, sendo que ¿O dolo, quanto ao conteúdo de perigo, pode ser direto ou eventual.¿, como ensinou o mestre Hungria. - ¿Os eventos qualificativos são preterdolosos¿ (Hungria). Resulta, daí, correta a asserção contida na R. sentença quando afirma que os agentes não desejavam diretamente o resultado morte. Com efeito, se assim não fossem tratar-se-ia de homicídio doloso (Hungria). O dolo, na espécie, assim, fica situado na conduta de expor a perigo a vida ou a saúde (bens jurídicos). - Devemos lembrar então que ¿Crime preterdoloso ou preterintencional¿, como explica Damásio E. De Jesus ¿É aquele em que a conduta produz um resultado mais grave que o pretendido pelo sujeito. O agente quer um minus e seu comportamento causa um majus, de maneira que se conjugam o dolo na conduta antecedente e a culpa no resultado (conseqüente). Daí falar-se que o crime preterdoloso é um misto de dolo e culpa: dolo no antecedente e culpa no conseqüente.¿ - O busílis ou o ¿xis da questão¿ (como define Aurélio), porque apresenta relação com a adequação típica, é definir se é ou não indispensável à consciência do abuso. - ¿O elemento subjetivo ou dolo específico do crime em questão¿, segundo o mestre Hungria, ¿é a vontade consciente de maltratar o sujeito passivo, de modo a expor-lhe a perigo a vida ou saúde.¿. Não diverge Cezar Roberto Bittencourt (¿Além da vontade e da consciência de praticar o fato material, ao contrário do que imaginava Euclides Custódio da Silveira, é indispensável à consciência do abuso cometido. Aliás, a ausência dessa consciência afasta o dolo, ocorrendo o conhecido erro de tipo¿, in Tratado de Direito Penal, Parte Especial, vol. 2, Editora Saraiva, 5ª edição, 2006, pág.331). - Devemos observar, entretanto, que ¿O dolo, quanto ao conteúdo de perigo, pode ser direto ou eventual.¿ (Hungria sublinhamos). Explica Cezar Roberto Bittencourt (obra cit., pág.332): ¿... a despeito da consciência atual da ação, dos meios e do próprio abuso é possível que a agente não queira expor a vítima a perigo, isto é, a exposição a perigo pode não ser objeto da vontade. Contudo, nessas circunstâncias, é inevitável que, pelo menos, preveja a possibilidade com o excesso que pratica, de expor a perigo a incolumidade da vítima. Nesse caso, prosseguindo na ação estará, no mínimo, assumindo o risco de colocá-la em perigo, configurando o dolo eventual. O risco de expor com a ação ou omissão está presente na consciência do agente, que, apesar disso, realiza a conduta e acaba colocando efetivamente em perigo a vida ou a saúde de outrem.¿ (grifamos) - Assim, não merece censura a R. sentença combatida. Com efeito, o douto Julgador reconheceu a presença do dolo eventual. - O ilustrado Procurador de Justiça, Dr. Eduardo Wetzel Barbosa, opina pelo desprovimento do apelo, apontando o acerto da r. decisão combatida. - Restou demonstrado, pelas palavras do próprio acusado, o dolo eventual. O risco de expor com a omissão em perigo a vida ou a saúde de outrem estava presente na consciência do agente. APELAÇÃO DESPROVIDA (Apelação Crime Nº 70009953985, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 30/11/2006)

 

 

Número do processo:

 

Relator:

ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Relator do Acórdão:

ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Data do Julgamento:

11/03/2008

Data da Publicação:

29/03/2008

Inteiro Teor:

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO CULPOSO - TRÂNSITO - CONDUTA ALTERNATIVA CONFORME O DIREITO E TEORIA DO INCREMENTO DO RISCO - EXCLUSÃO DA IMPUTAÇÃO PENAL - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. A imputação objetiva serve para limitar a responsabilidade penal, constituindo-se em um mecanismo para delimitar o comportamento proibido. Ancorada em um sistema coerente de interpretação que se infere da função desempenhada pelo direito penal na sociedade, sua finalidade é analisar o sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra ou não socialmente proibido e se tal proibição é relevante para o direito penal. 2. Não haverá imputação quando o resultado havido em face de uma conduta criadora de um risco juridicamente desaprovado teria com grande probabilidade ocorrida mesmo se o sujeito atuasse conforme o direito, não tendo havido incremento do risco já existente. 3. O conjunto probatório evidencia que a vítima deixou de obedecer à sinalização de "parada obrigatória", interceptando repentinamente o veículo do acusado que transitava em via preferencial. A condução do veículo acima da velocidade permitida pelo réu, não expressivamente superior, não incrementou o risco. 4. Pode-se identificar, no caso concreto, uma conduta alternativa conforme o direito que leva à exclusão do nexo de imputação no âmbito penal, não equivalente à imputação na esfera administrativa.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0344.03.009847-1/001 - COMARCA DE ITURAMA - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADOS (A) (S): CICERO GOMES DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 11 de março de 2008.

DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:

VOTO

1. RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público contra sentença oriunda do juízo da 1ª Vara da Comarca de Iturama que absolveu o acusado, ora apelado, da prática do delito previsto no art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro.

     Narram os autos que, no dia 29/01/2003, por volta das 12 horas, o ora apelado conduzia seu veículo automotor VW Gol Special, placa MUT-5695. Ao entrar no trevo da referida rodovia, o denunciado veio a colidir com o veículo IMP / Daewoo Espero, placa BRP-3533, de propriedade da vítima, causando nesta os ferimentos descritos no laudo de f. 54, que foram causa eficiente de sua morte. Apurou-se que o denunciado agiu com falta de cuidado objetivo necessário, isto é, com imprudência, eis que conduzia o seu veículo em velocidade superior à permitida (40 km/hora), sendo que o referido local estava devidamente sinalizado, com boas condições de visibilidade, causando a morte de Cícero Henrique Luis Arantes da Silva.

     Após instrução criminal, veio sentença absolutória (f. 136/141). O douto magistrado julgou improcedente a denúncia, fundamentando a absolvição na culpa exclusiva da vítima e na não comprovação da culpa do apelado, que considerou duvidosa.

     Inconformado, recorre o Ministério Público sustentando que não houve conduta culposa por parte da vítima e que não paira dúvida sobre a conduta culposa do acusado. Em suas razões, o Ministério Público afirma o valor do laudo pericial que concluiu pela condução do veículo em velocidade acima da permitida, bem como destaca que a pouca visibilidade constatada deveria ensejar maior cautela na condução.

     As contra-razões da defesa estão acostadas às f. 161/165.

     Instada a se manifestar no feito, a Ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (f. 169/171).

2. CONHECIMENTO

     Conheço do recurso em face do seu ajuste legal.

3. MÉRITO

     Pugna o Ministério Público pela condenação. Toda sua argumentação pode ser resumida na falta de cuidado do réu que conduzia o veículo, segundo o laudo pericial, em velocidade acima da permitida para o local. Com base nisso, aponta equívoco no julgamento que aplicou o in dubio pro reo e que reconheceu culpa exclusiva da vítima.

     O único elemento probatório a sustentar a pretensão ministerial é o laudo pericial. Somente na prova técnica juntada encontramos alusão à suposta velocidade excessiva do acusado.

     A perícia não pode precisar a velocidade desenvolvida pelo acusado, mas afirmou que era acima dos quarenta quilômetros por hora permitidos. Dada à dinâmica do acidente, a questão que se coloca é a seguinte, de fundamental relevo para a imputação penal: se o condutor acusado estivesse dirigindo dentro da velocidade permitida, o acidente teria ocorrido da mesma forma? O dirigir acima da velocidade permitida, conduta descuidada apontada na prova técnica, promoveu incremento do risco, contribuindo para o resultado ou o resultado teria ocorrido ainda que não houvesse, por parte do acusado, incremento do risco?

     A resposta é imprecisa, vale dizer, não se pode afirmar a contribuição do acusado para incremento do risco. É provável que, mesmo com a velocidade limitada aos quarenta quilômetros por hora, o acidente teria ocorrido da mesma forma. Analisando sistematicamente as provas técnica e testemunhal, é possível afirmar que a velocidade desenvolvida pelo acusado não era expressivamente acima dos tais quarenta quilômetros por hora, o que contribui decisivamente para a conclusão acima.

     A teoria da imputação objetiva deve ser examinada em prol do acusado.

     O moderno Direito Penal que se constrói objetivando a real proteção da sociedade não mais fica preso ao rigorismo de teorias elaboradas abstratamente, optando por sua construção frente à situação problemática enfrentada no caso prático.

               Neste diapasão, a imputação objetiva surge para amenizar o rigor da teoria da equivalência dos antecedentes causais - tão criticado pela doutrina penal - criando a categoria da imputação, constituindo-se num dado valorativo e posterior à causalidade meramente física constatada apenas no plano material.

               Assim, a imputação objetiva fulcra-se no denominado princípio do risco, que é conseqüência da ponderação, própria de um Estado de Direito, entre os bens jurídicos e os interesses de liberdade individuais, segundo a medida do princípio da proporcionalidade.

               Pressupõe não apenas a relação de causalidade física entre uma conduta e o resultado, mas que esta conduta tenha realizado um perigo fora do âmbito do risco permitido, criado pelo autor dentro do alcance do tipo objetivo.

               Significa, portanto, que a relação de causalidade não será comprovada apenas pelo chamado processo hipotético de eliminação de Thyrén, ou seja, se, mentalmente, abstraída a conduta não mais se verificar o resultado é porque está demonstrado o nexo causal.

               Agora é necessário, conforme dispõe Claus Roxin em sua magistral obra “La imputacion Objetiva en el Derecho Penal", tradução de Abanto Vásquez, M., Lima, 1997, a criação de um risco jurídico-penalmente relevante ou não permitido ou desaprovado, a realização do risco imputável no resultado lesivo e a infrigência ao fim de proteção do tipo penal ou alcance do tipo.

               A imputação objetiva serve para limitar a responsabilidade penal, constituindo-se em um mecanismo para delimitar o comportamento proibido. Ancorada em um sistema coerente de interpretação que se infere da função desempenhada pelo direito penal na sociedade, sua finalidade é analisar o sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra ou não socialmente proibido e se tal proibição é relevante para o direito penal.

     Neste sentido, foram elaborados vários critérios negativos da imputação objetiva, ou seja, hipóteses em que não haverá a valoração da conduta como juridicamente relevante para que o resultado a ela seja imputado, entre eles, o que nos interessa para resolução do caso em tela: não haverá imputação quando o resultado havido em face de uma conduta criadora de um risco juridicamente desaprovado teria com grande probabilidade ocorrida mesmo se o sujeito atuasse conforme o direito, não tendo havido incremento do risco já existente.

     Exemplo trabalhado pela doutrina é o seguinte: o motoqueiro, bêbado, conduz a sua motocicleta em ziguezague na frente de um caminhão. O condutor do caminhão resolve ultrapassá-lo, não observando quando da ultrapassagem a distância lateral de segurança. O motoqueiro perde o controle da moto e, numa derrapagem súbita para a esquerda, entra debaixo das rodas do caminhão, vindo a falecer. Provando-se que o resultado ocorreria da mesma forma ainda que o motorista do caminhão tivesse mantido a distância lateral regulamentar para ultrapassagem, não haverá imputação do resultado à sua conduta, pois o seu agir não incrementou o risco existente.

     A hipótese dos autos, no meu entender, é exatamente essa. O conjunto probatório evidencia que a vítima deixou de obedecer à sinalização de "parada obrigatória", interceptando repentinamente o veículo do acusado que transitava em via preferencial. A condução do veículo acima da velocidade permitida e, como destacado, não expressivamente superior, não incrementou o risco.

     Pode-se identificar, no caso, uma conduta alternativa conforme o direito que leva à exclusão do nexo de imputação no âmbito penal. Aliás, é bom destacar que o nexo de imputação nesse âmbito não é o mesmo do Direito Administrativo. A prática de uma infração administrativa, tal como o excesso de velocidade, não implica prática de uma infração penal. Ainda que reconhecida a conduta de conduzir o veículo com velocidade acima daquela permitida, é imperioso estudar o nexo existente entre tal conduta e o incremento do risco que se materializa no resultado lesivo.

     Na lição de Claus Roxin: "a questão jurídica fundamental não consiste em averiguar se determinadas circunstâncias se dão, mas em estabelecer os critérios em relação aos quais queremos imputar a uma pessoa determinados resultados. A alteração de perspectiva que aqui se leva a cabo, da causalidade para a imputação, faz com que o centro de gravidade se desloque já em sede de teoria da ação, da esfera ontológica para a normativa: segundo esta, a questão de saber se é possível imputar a um homem um resultado como obra sua, depende, desde o início, dos critérios de avaliação a que submetemos os dados empíricos" (Problemas fundamentais de direito penal, Lisboa: Vega, 1986, p. 145/146).

     A experiência ordinária informa, no caso concreto posto em julgamento, que, ainda que observada pelo condutor acusado a velocidade máxima permitida de 40 quilômetros por hora, o resultado lesivo teria ocorrido, razão pela qual o excesso de velocidade não gera imputação penal.

     Sobre o tema, destaco a lição de Fernando Galvão: "o exame das questões práticas não é nada fácil e também implica a utilização de critérios estatísticos de comparação entre a conduta real e a hipotética. Polêmica é a questão sobre a qual deva ser a decisão quando não for possível comprovar se a conduta proibida criou um perigo que extrapola os limites do risco permitido. A maioria dos autores sustenta que, nesses casos, o princípio do in dúbio pro reo exclui a imputação." (Direito Penal Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 243/244).

4. CONCLUSÃO

     Com essas considerações, nego provimento ao recurso ministerial, mantendo a absolvição do apelado.

      Sem custas.

É como voto.

Votaram de acordo com o (a) Relator (a) os Desembargadores (es): MARIA CELESTE PORTO e HÉLCIO VALENTIM.

SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0344.03.009847-1/001

 

 

Número do processo:

1.0045.03.001246-7/001(1)

Número CNJ:

0012467-34.2003.8.13.0045

Acórdão Indexado!

 

Relator:

ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Relator do Acórdão:

ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Data do Julgamento:

19/02/2008

Data da Publicação:

08/03/2008

Inteiro Teor:

 

EMENTA: APELAÇÃO - HOMICÍDIO CULPOSO - AUSÊNCIA DO DEVER DE CUIDADO OBJETIVO - NÃO COMPROVAÇÃO - PRESUNÇÃO EM PREJUÍZO DO RÉU - INADMISSIBILIDADE - IMPREVISIBILIDADE - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - IMPUTAÇÃO OBJETIVA - PRINCÍPIO DA CONFIANÇA - AÇÕES A PRÓPRIO RISCO - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. I - A circunstância de o réu não ter conseguido desviar o veículo da vítima que atravessou a via urbana rápida em local inadequado, não pode conduzir à presunção de que o acusado agiu com desatenção, sendo imprescindível a presença de elementos probatórios concretos do atuar sem o dever de cuidado objetivo. II - A culpa exclusiva da vítima que, atravessando em local impróprio, surpreende o condutor do veículo, afasta a configuração da culpa, seja pela ausência de imprudência, seja pela imprevisibilidade. III - Não cria um risco juridicamente desaprovado, aquele que, confiando na obediência à legislação de trânsito por parte de pedestres e demais condutores, é surpreendido pelo comportamento da vítima de atravessar em local proibido, determinando o sinistro, visto que a conduta do agente foi guiada pelo princípio da confiança que caracteriza a atuação dentro do risco permitido. IV - Não se imputa objetivamente um resultado ao agente quando há uma criação de nova relação de risco por parte da vítima ao violar seus deveres de proteção própria.

APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0045.03.001246-7/001 - COMARCA DE CAETÉ - APELANTE(S): WALTER VIANA GONÇALVES DE OLIVEIRA - APELADO (A) (S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 19 de fevereiro de 2008.

DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:

VOTO

I- RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Walter Viana Gonçalves de Oliveira visando à reforma da sentença que o condenou a uma pena de 02 (dois) anos de detenção, além da suspensão do direito de dirigir veículos pelo prazo de 08 meses.

Descrevem os autos que o apelante dirigia a motocicleta Honda CG - 125 placa GTL 4201 na Av. João Pinheiro altura do nº 4.126 e acabou por atingir a vítima Noraldino Caetano Fonseca que atravessa a via urbana, provocando diversos ferimentos que levaram o ofendido ao óbito.

Processado nos termos legais, o apelante foi, ao final condenado, pela sentença monocrática de fls. 79-87.

Inconformado, apresenta o acusado recurso de apelação, pugnando pela sua absolvição.

O Parquet apresentou contra-razões recursais pugnando pelo desprovimento do recurso.

A Procuradoria de Justiça, em parecer subscrito pelo Procurador Marcial Vieira de Souza, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório

II- CONHECIMENTO

Conheço do recurso por preencher os pressupostos legais.

III- MÉRITO

O apelante requer sua absolvição, alegando que não agiu com imprudência, sendo o acidente culpa exclusiva da vítima.

Entendo que assiste razão à defesa.

O recorrente foi denunciado porque teria dado causa ao sinistro, sem que, contudo, tenha sido apontada na denúncia a modalidade da culpa em que tenha incorrido, sequer foi expressamente indicado em que consistiu sua violação ao dever de cuidado.

Só aqui, já se verifica importante vício na peça exordial a macular toda a ação penal.

Contudo, como a solução meritória é mais benéfica ao réu, sigo na apreciação das provas.

A sentença guerreada condenou o acusado porque o considerou desatento e dirigindo em velocidade incompatível com a via urbana pela qual trafegava.

Pois bem. Após leitura atenta e minuciosa dos autos não me convenci do acerto destes fundamentos da decisão e da certeza de prática de conduta criminosa por parte do réu.

Não foi produzida prova pericial e, portanto, não se pode precisar a velocidade em que dirigia o acusado.

Nenhuma testemunha ouvida em juízo aponta excesso de velocidade por parte do apelante.

A testemunha Dario dos Reis Messias não presenciou o sinistro, apenas afirmando condições climáticas e da pista no momento do evento.

Fabiane Vargas de Carvalho afirmou que o apelante estava em velocidade normal e que "o Sr. Noraldino atravessou sem olhar; que acha que o acusado não poderia evitar o acidente" - f. 66.

Ana Paula Vargas de Carvalho afirmou que "não sabe informar a velocidade do motociclista"- f. 69.

O que se extrai dos autos é que nenhuma prova foi produzida a comprovar excesso de velocidade por parte do réu, tampouco desatenção na condução do veículo automotor.

Na verdade, a condenação do acusado não está lastreada em provas concretas e, sim, na presunção de que o evento era evitável em decorrência das condições do local onde ocorreu, ou seja, uma via urbana movimentada e reta.

Todavia, tal presunção não é correta. Mais do que chegar à conclusão de que o acidente poderia ter sido evitado se o apelante estivesse mais atento, é necessário provar que a desatenção realmente ocorreu, seja pelo fato de o motorista estar conversando com alguém, ou ter-se distraído ouvindo rádio, ou mesmo, ter adormecido no volante.

Nenhum destes elementos probatórios concretos foram trazidos aos autos.

Lado outro, é plenamente possível que o apelante tenha sido surpreendido com a conduta da vítima de atravessar uma via rápida, em local impróprio, ou seja, fora da faixa de pedestres.

Portanto, diante da ausência de elementos probatórios mais esclarecedores, pode-se afirmar, sim, a imprevisibilidade do ocorrido, na forma como narrado pelo acusado em seu interrogatório judicial.

Noutro giro, o moderno Direito Penal que se constrói objetivando a real proteção da sociedade não mais fica preso ao rigorismo de teorias elaboradas abstratamente, optando por sua construção frente à situação problemática enfrentada no caso prático.

Neste diapasão, a imputação objetiva surge para amenizar o rigor da teoria da equivalência dos antecedentes causais - tão criticado pela doutrina penal - criando a categoria da imputação, constituindo-se num dado valorativo e posterior à causalidade meramente física constatada apenas no plano material.

Assim, a imputação objetiva fundamenta-se no denominado princípio do risco, que é conseqüência da ponderação, própria de um Estado de Direito, entre os bens jurídicos e os interesses de liberdade individuais, segundo a medida do princípio da proporcionalidade.

Pressupõe não apenas a relação de causalidade física entre uma conduta e o resultado, mas que esta conduta tenha realizado um perigo fora do âmbito do risco permitido, criado pelo autor dentro do alcance do tipo objetivo.

Significa, portanto, que a relação de causalidade não será comprovada apenas pelo chamado processo hipotético de eliminação de Thyrén, ou seja, se, mentalmente, abstraída a conduta não mais se verificar o resultado é porque está demonstrado o nexo causal.

Agora é necessário, conforme dispõe Claus Roxin em sua magistral obra "La imputacion Objetiva en el Derecho Penal", tradução de Abanto Vásquez, M., Lima, 1997, a criação de um risco jurídico-penalmente relevante ou não permitido ou desaprovado, a realização do risco imputável no resultado lesivo e a infrigência ao fim de proteção do tipo penal ou alcance do tipo.

A imputação objetiva serve para limitar a responsabilidade penal, constituindo-se em um mecanismo para delimitar o comportamento proibido. Ancorada em um sistema coerente de interpretação que se infere da função desempenhada pelo direito penal na sociedade, sua finalidade é analisar o sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra ou não socialmente proibido e se tal proibição é relevante para o direito penal.

Neste sentido, foram elaborados vários critérios negativos da imputação objetiva, ou seja, hipóteses em que não haverá a valoração da conduta como juridicamente relevante para que o resultado a ela seja imputado, entre eles, o que nos interessa para resolução do caso em tela, o princípio da confiança.

Segundo nos ensina Fernando Galvão - Imputação Objetiva, ed. Mandamentos, p. 65 - "o princípio da confiança foi elaborado para melhor delimitar a idéia da atuação nos limites do risco permitido, sendo inicialmente desenvolvido para aplicação aos delitos de trânsito. Atualmente, este princípio possui aplicação mais abrangente, contemplando todos os casos de atuação conjunta, em especial nas hipóteses de divisão do trabalho."

Este princípio tem como premissa a consideração de que aquele que se comporta adequadamente pode confiar que os demais também o façam, excetuando-se as hipóteses em que existam motivos para se desconfiar que determinada pessoa irá desobedecer às normas de conduta.

               

Juarez Tavares, na sua excelente obra Direito Penal da Negligência (Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 148) ensina que "ninguém, em princípio, deve responder por ações defeituosas de terceiros, mas, sim, até mesmo pode confiar em que atendam todos os outros aos respectivos deveres de cuidado."

Assim, pode-se concluir que o princípio da confiança autoriza a realização de condutas que criem uma situação de risco, desde que respeitado o dever de cuidado objetivo, com a consideração que as demais pessoas também obedecerão às regras.

No caso específico do trânsito de veículos, ainda segundo Galvão (Idem, p. 67) "a fórmula geral do princípio da confiança se expressa no sentido de que aquele que se comporta no trânsito conforme as normas regulamentadoras pode confiar que os demais também o façam, salvam quando existam indícios concretos em contrário".

Claus Roxin, exímio penalista alemão e um dos precursores da teoria da Imputação Objetiva, citado por Galvão (Idem, p. 68), assevera que, nem mesmo a violação a infração das regras de circulação impede a aplicação do princípio da confiança, desde que tal violação não tenha repercutido no sinistro.

Ora, no caso em comento, a vítima atravessou uma via de trânsito rápido em local impróprio, invadindo a pista de rolamento e surpreendendo os motoristas, como informou o acusado e como demonstra o croqui de f. 11.

Resta claro, pois que o apelante confiou que a vítima obedeceria às normas de trânsito que são direcionadas também para os pedestres e que atravessaria no local próprio, ou seja, a passarela construída para tal fim.

Não havia nenhum outro motivo para desconfiar do ofendido, razão pela qual se impõe a observância do princípio da confiança na hipótese em comento.

Outro argumento que autoriza a absolvição do acusado, ainda no campo da teoria da imputação objetiva, é o que se convencionou chamar de ações a próprio risco.

Cláudia López Díaz, citada por Damásio de Jesus (In Imputação Objetiva), afirma que se enquadram neste grupo de casos as hipóteses em que não se configura uma organização comum de perigo na prática do delito, mas que uma determinada pessoa, no caso, a vítima, expõe-se unilateralmente ao risco. É o que se convencionou chamar de auto- exposição a risco.

Um grupo de casos apontados como de ações a próprio risco ocorre quando há uma criação de nova relação de risco por parte da vítima ao violar seus deveres de proteção própria.

In casu, com o seu incorreto posicionamento, já citado, a vítima criou uma nova situação de perigo, incrementando o anterior existente que é a travessia em vias de trânsito rápido, gerando o resultado material que não pode ser atribuído ao apelante que apenas participou, mas dentro dos limites do risco permitido.

Assim, seja pela ausência de provas da desatenção na direção de veículo automotor imputada ao apelante, seja pela inadmissibilidade de presunções in mallam partem, seja pela imprevisibilidade do evento lesivo, seja pela culpa exclusiva da vitima e, por fim, pela teoria da imputação objetiva e o princípio da confiança, o apelante deve ser absolvido das imputações contidas na denúncia.

IV- CONCLUSÃO

Por tais considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DO APELANTE, ABSOLVENDO-O DAS IMPUTAÇÕES CONTIDAS NA DENÚNCIA, com fulcro no art. 386, incisos III e VI do Código de Processo Penal.          

É como voto.

Votaram de acordo com o (a) Relator (a) os Desembargador (es): MARIA CELESTE PORTO e HÉLCIO VALENTIM.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0045.03.001246-7/001

 

Número do processo:

1.0024.01.042560-1/001(1)

Número CNJ:

0425601-97.2001.8.13.0024

Acórdão Indexado!

 

Relator:

ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Relator do Acórdão:

ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO

Data do Julgamento:

30/05/2006

Data da Publicação:

07/07/2006

Inteiro Teor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.4)           Conclusões Finais:

Trata-se, pois, de uma teoria da ação, em que pese trazer em seu bojo o incremento do risco, essa, sem dúvida alguma, o seu maior destaque. Em termos práticos: Logicamente, se aplica quando da criação de um risco não permitido e sua configuração em confronto com a lei vigente, ou mesmo, um aumento do risco já existente.

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que a teoria da imputação objetiva delinea seus contornos sob o aspecto objetivo normativo e não naturalístico, destacando-se o incremento da teoria do risco. O risco permitido e o risco proibido são institutos que se entrelaçam. Assim, com o risco permitido, a imputação objetiva da conduta é excluída. Expurga-se a imputação objetiva quando não houver correlação entre o risco ocorrido e o resultado jurídico.

No Brasil, encontramos discípulos da teoria funcionalista de Roxin. Na Alemanha houve forte crescimento da concepção, cujo maior reflexo prático seria a diminuição da punibilidade.

 

 

(1.5) Referências Bibliográficas:

Welzel, Hans, O Novo Sistema Jurídico Penal – Uma introdução à doutrina da ação finalista, RT, 2001.

(Greco, Luís, artigo intitulado “Introdução a DOGMÁTICA FUNCIONALISTA DO DELITO”, publicado na revista Jurídica, Porto Alegre, Jul. 2000; p. 39).

Jakobs Günter, Derecho Penal – Parte general – Fundamentos y teoria de La imputación, 2ª edición. (Marcial Ponz, 1997).

  Luhmann, Niklas. Elo derecho de La sociedad. México. Universidad Ibero americana, 2002.

Mir Puig, certamente no afã de estender a incidência das considerações valorativas apropriadas pela teoria da imputação objetiva aos crimes de mera atividade, designa o primeiro nível de imputação como imputação objetiva em sentido estrito, enquanto o segundo nível de imputação, para nós o único que realmente aporta critérios de imputação, compreenderia a imputação objetiva em sentido amplo. MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, 198.

 SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360 SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 355.

Antiga assistente de cátedra da Universidade de Dresde, Alemanha.

SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360.

O legislador alemão tratou o incêndio criminoso com maior rigor, porque não exigiu a concreta colocação em perigo dos bens jurídicos protegidos, embora tenha limitado os objetos sobre os quais incide a conduta – locais destinados à habitação. A diferença básica entre os tipos penais é que no caso alemão não é preciso que haja alguma pessoa no raio de eficácia da ação – alcance do incêndio, bastando à mera possibilidade de que no momento da ação alguém esteja nesses locais, tendo em vista sua finalidade – habitação.

 O Código de Processo Penal em seu art. 173 dispõe que, no caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato. Não fosse o incêndio um resultado, careceria de sentido a realização de perícia.

 SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360.

Autênticos problemas de imputação objetiva: FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 65-74. Pensemos no seguinte exemplo, à luz do § 306a do StGB. Um sujeito, querendo vingar-se do vizinho, planeja incendiar sua residência. Nesse intento, aproveitando-se da saída de casa seu desafeto, espalha ao redor da casa uma quantidade razoável de produtos inflamáveis, preparando cuidadosamente o pavio, com um tecido fino envolvido em cera. Ocorre que, no momento em que ateia o fogo, algumas pessoas que passavam pelo local impedem que o pavio seja consumido e o incêndio não ocorre. Imobilizado pelos nobres cidadãos que impediram o incêndio, a polícia é acionada. Infelizmente, ao comparecer no local, um atrapalhado policial efetua um disparo acidental de arma de fogo, atingindo o projétil o local que havia sido alagado com combustível e o maldito incêndio acabam ocorrendo. Nesse caso, o agente deverá ser punido por tentativa. O incêndio não lhe poderá ser imputado, porque o risco criado por sua conduta já tinha sido contido. Na dimensão típica do risco original, não se inclui o incêndio por disparo acidental de arma de fogo. Portanto, sob a perspectiva ex post, o resultado incêndio não poderá ser imputado à sua conduta típica.

Já tendo espalhado os produtos inflamáveis no prédio, ateia fogo no pavio especialmente preparado, mas as chamas são prontamente contidas por algumas pessoas que passavam pelo local e o incêndio acaba não ocorrendo, sendo o detido o incendiário. Ocorre que, acionada, a polícia comparece no local e efetua a prisão do indivíduo, oportunidade em que este, tentando evadir-se do local é alvejado pelos policiais, sendo que um dos tiros atinge o edifício e ocasiona o incêndio.

 ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividade e imputación objetiva: respuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 12.

FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 330.

 FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 328.

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